Assassinatos Inusitados


Jorge Forbes


 Quando tudo pode ser, nada é. Um novo assassinato em massa, o
maior, acaba de ocorrer em mais uma escola americana, na Universidade
Tecnológica de Virgínia. Trinta e dois mortos e muitos feridos, completados
pelo suicídio do assassino. Pululam diagnósticos para acalmar o angustiante
"Por quê?". Um paranóico identificado à Hitler (esta interpretação já foi
usada em Columbine); um perverso querendo chamar a atenção; um rebento de
uma família mal constituída; um estressado pelo sistema competitivo do
capitalismo americano; um drogado químico; um drogado religioso; um tarado
por armas, impulsionado pela venda livre; um imigrante deslocado; enfim, e
definitivamente, um louco completo.

 Sim, tudo pode ser se insistirmos no diagnóstico da criatura,
o que evidencia a sua insuficiência. A série de assassinatos inusitados não
revela nenhum tipo clínico especial talhado para esta calamidade. Qualquer
um dos acima descritos pode se encaixar no assassino, sem, no entanto - e
por isso mesmo - elucidar nada.

 Assassinatos inusitados, como esse, devem ser somados aos
novos sintomas do laço social da globalização. Ao fracasso escolar, à
epidemia de depressão, às toxicofilias generalizadas, para citar os
principais.

 O mundo mudou, mas nós não. Saímos de uma sociedade que
organizava a identidade humana verticalmente: a identificação com o pai,
com o chefe, com o líder; uma sociedade que estabelecia padrões estáveis de
comportamento, aos quais se aderia ou se rebelava, para uma sociedade
horizontalizada, onde os princípios são outros e muito diferentes - ainda
desconhecidos da maioria - o que leva a encararmos o novo com velhas
categorias, como o que presenciamos.

 Antes, tínhamos aquele que queria matar o líder: é o caso da
morte de John Lennon e o da tentativa sobre João Paulo II. Hoje, cada vez
mais, temos um anônimo que mata anônimos e depois se mata. Como padrão,
dois aspectos: criminoso e vítimas são jovens e o contexto é o escolar. Não
acrescentaria a esta lista o país, os Estados Unidos, por não entender ser
uma exclusividade americana, haja vista o já ocorrido no Brasil; só
constato lá uma maior facilitação, uma plasticidade ao fenômeno.

 Um laço social horizontalizado, como o que começamos a viver,
exige um reaprendizado completo de como habitá-lo. Muda o amor, o trabalho,
o corpo, a família, a educação. A amizade passa a ser o afeto por
excelência, por motivos óbvios, é o que melhor veste um mundo plano. Uma
amizade que suporta a diferença do outro, sua solidão fundamental, por isso
solidária. Os jovens e os que estudam são os mais sensíveis a esta mudança.

 Estamos pagando um preço alto pelo nosso atual descompasso
entre onde estamos e o que pensamos. Nossa cabeça não andou na mesma
velocidade dos nossos pés. Uma barbaridade como esta de Virgínia é mais um
alerta: tem alguma coisa fora de ordem da nova ordem mundial e será como
fora de ordem que ela permanecerá se quisermos insistir em compreender
tudo. Quando vamos perceber que para conviver - e bem - não é necessário a
mútua compreensão? Suportar as diferenças é isso, é só isso. O amor não
exige compreensão, até ao contrário, muitos se separam quando resolvem
explicar o seu amor pelo parceiro.

 Um massacre como este, inusitado, sem ter nem para que, clama
para que não depositemos todas as nossas esperanças no diálogo
compreensivo, como o fizemos nos últimos trezentos anos, e comecemos a
perceber uma nova realidade afetiva: os monólogos articulados. Esse espaço
não deve ser conquistado a bala, mas legitimado em um mundo de um novo
amor, além da hierarquia paterna, das chefias e dos padrões.

São Paulo, 17 de abril de 2007

 

 


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