Basta
de queixas
Texto publicado no livro "Você quer o que deseja?"
Jorge Forbes
Todo mundo se queixa o tempo inteiro. Do tempo: um dia do calor, outro
dia do frio. Do trabalho: porque é muito, ou porque é pouco. Do carinho:
“que frieza”, ou “que melação”. Da prova: “dificílima”, ou “fácil
demais”. E dos políticos, e da mulher, e do marido, e dos filhos, e dos
tios, avós, primos; do pai e da mãe, enfim, de ter nascido. A queixa é
solidária, serve como motivo de conversa, desde o espremido elevador até
o vasto salão. A queixa é o motor de união dos grupos, é sopa de cultura
social; quem tem uma queixa sempre encontra um parceiro. A queixa chega
a ser a própria pessoa, seu carimbo, sua identidade: “Eu sou a minha
queixa”, poderia ser dito.
A queixa deveria ser a justa expressão de uma dor ou de um mal-estar,
mas raramente ocorre assim. É habitual que a expressão da queixa exagere
em muito a dor, até o ponto em que esta, a dor, acaba se conformando ao
exagero da queixa, aumentando o sofrimento. É comum as pessoas
acreditarem tanto em suas lamúrias que acabam emprestando seu corpo,
ficando doentes, para comprovar o que dizem.
A causa primordial de toda queixa é a preguiça de viver. Viver dá
trabalho, uma vez que a cada minuto surge um fato novo, uma surpresa, um
inesperado que exige correção de rota na vida. Se não for possível
passar por cima ou desconhecer o empecilho, menosprezando o
acontecimento que perturba a inércia de cada um, surge a queixa, a
imediata vontade de culpar alguém que pode ir aumentando até o ponto em
que a pessoa chega a se convencer paranoicamente que todos estão contra
ela, que o mundo não a compreende e por isso ela é infeliz, pois nada
que faz dá certo, enquanto outros, com menos qualidades, obtém sucesso.
Ouvimos destes aquele lamento corriqueiro, auto-elogioso: “acho que sou
bom ou boa demais para esse mundo, tenho que aprender a ser menos
honesto e mais agressivo...” Conclusão: se não fossem os outros, ele, o
queixante, seria maravilhoso. Por isso, toda queixa é narcísica.
Temos que acrescentar que a queixa não surge só de uma dor ou de um
desassossego, mas também quando se consegue um tento, uma realização. Aí
a queixa serve de proteção à inveja do outro – sempre os outros ! ... –
e tal qual uma criança que esconde os ovos de páscoa até o outro ano, o
queixante não declara sua felicidade para que ela não acabe na
voracidade dos parceiros podendo ele curti-la em seu canto, escondido,
até o ano que vem, quando o coelhinho passa de novo.
Em síntese, três pontos: a queixa é um fechamento sobre si mesmo, uma
recusa da realidade e um desconhecimento da dor real. Não confundamos: é
importante separar a queixa narcísica da reivindicação justa, mas isso é
outro capítulo. Aliás, é comum o queixoso se valer da nobreza das justas
reivindicações sociais para mascarar seu exagerado amor próprio.
Um momento fundamental em todo tratamento pela psicanálise é o dia em
que o analisante descobre que não dá mais para se queixar. Não que as
dificuldades tenham desaparecido por encanto, mas que o “tirem isso de
mim”, base de toda queixa, perde seu vigor, revela-se para a pessoa todo
o seu aspecto fantasioso. É duro não ter para quem se queixar, não ter
nenhum bispo, um departamento de defesa dos vivos como tem o dos
consumidores. A pessoa pode perder o rumo, não saber o que vai fazer,
nem mesmo saber quem é.
Nesse ponto, a condução do tratamento há de ser precisa: há que se
ajustar a palavra à vida, conciliar a palavra com o corpo, fazer da
palavra a própria pele até alcançar o almejado sentir-se “bem na própria
pele”. Também será necessário suportar o inexorável sem se lastimar e
abandonar a rigidez do queixume pela elegância da dança com o novo.
Mais importante que uma política de acordos, que é feita a partir de
concessões de posições individuais, é estar em acordo com o movimento
das surpresas da vida, dos encontros bons ou maus. E tudo isto sem
resignação, mas com o entusiasmo da aposta. Basta de queixas.
<< Voltar
|