Os pais
estão mal
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“Os pais estão mal”
Em seu quinto livro, o psicanalista Jorge Forbes afirma que
Matrix e a música eletrônica são soluções que a juventude dá
para este momento |
Camilo Vannuchi e Carla Gullo
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“O adolescente de hoje não é um rebelde, mas um
mutante. Ele sabe lidar com o mundo não cartesiano. Responde à
ética do desejo, não à do dever” |
Entusiasta da música eletrônica e fã do filme Matrix, o
psicanalista Jorge Forbes, 52 anos, tem motivos para criar polêmica.
Aluno de Jacques Lacan nos anos 70 e um dos principais responsáveis por
trazer a psicanálise lacaniana ao Brasil, ele se difere em algumas
opiniões. Enquanto a maioria de seus colegas considera esta uma geração
individualista, Forbes elogia a atitude criativa da moçada e admira sua
capacidade de lidar com a passagem da era industrial para o mundo
globalizado. Idéias como essas estão reunidas nas crônicas e
conferências publicadas em seu novo livro Você quer o que deseja? (Best
Seller), cujo título já causa uma certa inquietação.
ISTOÉ – Qual
a diferença entre querer e desejar?
Jorge Forbes – Existe
uma incompatibilidade entre esses dois verbos que, no consenso, caminham
juntos. Mas não é assim. Em geral, o querer está vinculado à necessidade
biológica – quero comer, quero dormir – e o desejar está ligado a
aspectos de prazer expressos em frases como “mais forte do que eu”. O
homem é o único animal que come por apetite e não por necessidade.
Escolhe entre ir a um restaurante ou ao cinema. Nossa vida é marcada por
decisões que nem sempre têm a ver com necessidade.
ISTOÉ – É
difícil escolher?
Forbes – Sim. Toda vez
que se escolhe algo que deseja, há possibilidade de não ser
compreendido. Quanto mais alguém quer ser compreendido, mais recorre ao
senso comum. Por exemplo: a escolha de passar o réveillon em Copacabana
tem mais chance de ser aceita do que a de ir para um lugar que ninguém
conhece. Essa é uma forma careta de viver. Uma escolha média leva a uma
satisfação média, a uma vida sem sobressaltos.
ISTOÉ – Mas
antes o senso comum não era regra?
Forbes – Estamos
entrando na era da globalização e vivemos uma mudança no eixo das
identidades. Na era industrial, havia um eixo vertical. Impunham-se
padrões de comportamento: o cinema e o teatro que deviam ser vistos, a
profissão certa, a idade para casar... Tínhamos uma sociedade
referenciada. Na globalização, as pessoas se vêem jogadas ao exercício
da singularidade. Isso gera uma época de criatividade superior à outra,
mas traz novos problemas como o desenfreamento do consumismo.
ISTOÉ – Você
compara essa questão do desejo ao filme Matrix.
Por quê?
Forbes – Matrix é um
filme sobre decisão, desejo e opção. Acho que o sucesso de Matrix entre
os moços se deve ao fato de estimular uma reflexão sobre a
obrigatoriedade de se optar. Este é o grande problema da globalização.
Uma vez que existem possibilidades multiplicadas, é preciso optar.
ISTOÉ – A
música eletrônica e o Matrix são símbolos da juventude?
Forbes – São soluções
que a juventude dá ao momento atual. Essa juventude se deparou com um
mundo despadronizado e o nomeou mundo mix. Quando se quebra o padrão, se
quebra também o diálogo como cimento fundamental do laço social, como
era considerado pelos iluministas, que tinham o saber como direção
principal da experiência humana. Quando duas pessoas falam com
parâmetros diferentes, o diálogo é substituído por monólogo. Achava-se
que a quebra do diálogo levaria à explosão do vínculo social e à
barbárie. Quebramos o padrão e a barbárie não veio. Esperava-se que
caíssemos em uma época de promiscuidade sexual e ela não veio.
ISTOÉ – Então
o grande problema da juventude não é a tão propalada falta de
perspectiva?
Forbes – Existe uma
falta de perspectiva porque nossa geração quebrou os valores. Os moços
de hoje têm que inventar seu futuro. Na era da globalização, são
obrigados a assumir com responsabilidade o que fazem. Os laços sociais
tornam-se mais frágeis no tempo e mais responsáveis na escolha. Essa
mudança é um problema para quem gosta da acomodação e é uma vantagem
para os que suportam a criatividade. Acho que essa geração está bem.
Quem está mal são os pais.
ISTOÉ –
Por quê? Os pais não se sentiram sempre desconfortáveis no mundo
dominado pelos filhos?
Forbes – Acho
que não. Na era anterior, os jovens se rebelavam
contra os pais, mas criavam um mundo à imagem e semelhança do anterior.
O adolescente de hoje não é um rebelde, mas um mutante.
Ele sabe lidar com o mundo não-cartesiano. A nova geração não responde à
ética do dever como nós, mas à ética do desejo. Entre o jovem de 2003 e
o jovem de 1968 há uma diferença fundamental. Mudaram a ética, os laços
sociais, houve uma proliferação das possibilidades, uma maior exigência
da escolha.
ISTOÉ – E
como serão os adolescentes nesta configuração
de mundo?
Forbes – Estou
quase apostando que a adolescência, tal qual a conhecíamos, não haverá
mais.
ISTOÉ – O
que virá, então?
Forbes –
Chamamos de adolescência uma fase entre a infância e a
idade adulta. É uma época na qual a pessoa teria que, progressivamente,
adaptar sua forma de trabalhar e de se satisfazer, em consonância com o
mundo dito adulto. Essa divisão fica relativizada às particularidades de
cada um, pois, se não há mais padrão, não há como manter válidas
categorias como rebeldia. Só existe rebeldia se houver um padrão fixo.
O exemplo da Suzane von Richthofen (a menina que planejou o assassinato
dos pais, no ano passado) mostra como nossas categorias estão
ultrapassadas.
ISTOÉ –
Por quê?
Forbes – A
violência social é nossa velha conhecida. O que nos falta são categorias
para lermos suzanes, para lermos o estudante que põe fogo na sua escola
para ver uma fogueira de São João, ou põe fogo no índio. Precisamos
criar novas categorias para entender esse tipo de violência, que não
respeita classe social.
ISTOÉ –
Além desta nova violência, quais outros sintomas esta nova formação da
sociedade traz?
Forbes – Um
exemplo são as novas histéricas. Nós aprendemos a amar a velha
histérica. Ela era legal, tinha seu charme. Contestava qualquer ordem
estabelecida. Se você chegasse e dissesse a ela “eu te amo”, ela virava
a cara e reclamava “só porque eu sou bonita”. A nova histérica é
completamente desregulada do sentido da ordem e mais violenta. Ela é
como Medéia, que matou os próprios filhos para demonstrar sua raiva por
Jasão. A nova histérica busca obter o que deseja sem dó. Suzane
assassinou os pais e fez um churrasco no dia seguinte não por ser uma
psicótica nem uma psicopata. O psicótico não reconhece o que faz e o
psicopata reconhece, mas não dá importância. Acho que Suzane não é nem
uma coisa nem outra. É o exemplo atual de uma nova forma de ser, que
deseja sem querer, que age por desejo, de maneira inconsequente.
ISTOÉ – A
sociedade percebeu onde leva o caminho do não-limite. Isso não é uma
vantagem para os pais recentes?
Forbes – Sem
dúvida. Meus filhos, de 14 e 21 anos, fizeram parte dessa geração
mutante. Agora, as crianças mais novas já vivem uma fase um pouco mais
confortável, para a qual a vanguarda não é novidade. Nossa geração foi
muito marcada pela regra de que os pais deveriam falar tudo aos filhos e
estes só deveriam cumprir obrigações se as entendessem. Mas muita coisa
que queremos de nossos filhos não será compreendida por eles. Os pais
precisam aprender a ser arbitrários. Não dá mais para fazer sermões ou
discursos.
ISTOÉ –
Essa nova atitude existe em toda a sociedade?
Forbes – Em
toda ela. Minha proposta é “não se justifique, não se explique”. Vale
para a relação pai e filho, professor e aluno, chefe e subordinado. Não
adianta querer explicar. Escrevi uma carta ao Lula, publicada no livro,
em que digo isso a ele. “Você está fadado a ser incompreendido. Pára de
se justificar porque não vai dar certo.” A nova liderança deve aprender
a lidar com isso.
ISTOÉ –
Mas não é complicado dizer a um presidente eleito que ele não deve
explicações a seus eleitores?
Forbes – Ele
não vai saciar jamais o pedido de explicação. Freud dizia para não
tentarmos acalmar a fome do superego porque o superego é insaciável.
Essa instância cobradora de posições chama-se superego. Quanto mais
tentarmos nos adequar a ele, mais ele vai dizer que ainda não é
suficiente: “Lula, você se desculpou aos idosos, mas você devia ter ido
lá para a fila. Aliás, devia ter ficado na fila. Mais do que isso, você
devia ser um idoso. Aliás, você devia ter morrido na fila.”
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