Por:
Guilherme Fiuza
04
de
Abril de 2008
É
difícil escrever sobre uma tragédia sem ser acusado de
insensibilidade com a dor alheia. Talvez a saída mais
segura seja falar da nossa própria.
No dia 2 de julho de 1990 meu primeiro filho, Pedro,
caiu do oitavo andar do prédio onde morávamos, em
Botafogo.
Desci de escada achando que seria mais veloz do que o
elevador, talvez do que a própria queda. Encontrei-o já
morto, e não precisava ser médico para constatar. Os
ferimentos eram brutais.
Voltei com ele de elevador, mas ainda com pressa, agora
de dizer à mãe dele que não podíamos fazer mais nada.
Antes que pudéssemos entender o que fazer da nossa
própria vida, já tínhamos uma certeza: não podíamos sair
de casa. Estávamos presos lá, com dois policiais
militares armados na porta do apartamento.
Antes de poder enterrar meu filho, tive que contratar um
advogado. Recebi-o no quarto de empregada, para poupar a
mãe do Pedro, minha ex-mulher, daquela conversa
surrealista.
Embora vivêssemos em harmonia e fôssemos particularmente
tranqüilos, o advogado vinha relatar depoimentos
comprometedores do síndico e de vizinhos à polícia. Eles
diziam ter ouvido ruídos altos de portas batendo,
discussões febris, gritaria.
Foi longo o tempo até encerrar esse processo insano e
provar que os vizinhos tinham delirado. Mas foi muito
rápido, instantâneo, o castigo imposto pelos homens da
lei, de mãos dadas com os vizinhos diligentes: ser
tratado como suspeito da morte do próprio filho.
Quando a Polícia Militar nos permitiu deixar o
apartamento, no qual nunca mais voltaríamos a morar,
tivemos que deitar no chão do carro, para evitar a
multidão de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas.
Escapamos de passar pelo que passou a mãe de Isabella
Nardoni, quase jogada no chão pela sanha da imprensa.
Uma mãe de quem a vida acabara de arrancar uma filha,
que portanto mal se punha de pé por si mesma... Bem,
colegas, morram de vergonha.
No Espírito Santo, há outro pai preso porque a filha
caiu da janela. São todas situações sobre as quais é
preciso encontrar a verdade. Se os pais forem
desgraçadamente culpados, precisam ser exemplarmente
punidos.
Nada disso dá direito à sociedade de invadir a vida de
uma família com a sua curiosidade mórbida e a sua
estupidez.
Se não é possível à coletividade imaginar na sua própria
pele o ardor da tragédia, já seria um belo avanço
civilizatório se ela entendesse, de uma vez por todas,
que a vida (dos outros) não é um Big Brother.