Tudo que eu deveria saber na vida, aprendi na jardim-de-infância


Por :

FULGHUM, Roberto. Tudo que eu deveria saber na vida aprendi no Jardim-de-Infância.

Idéias incomuns sobre coisas banais. São Paulo, Editora  Best Seller, 1988

            Já faz muitos anos que, a cada primavera, imponho-me a tarefa de fazer uma declaração pessoal de fé – de compor um Credo. Quando era mais jovem, meu credo ocupava páginas e páginas, de tanto que me preocupava em cobrir todas as áreas, sem deixar nada pendente. Era como se tivesse de produzir uma espécie de sentença da Suprema Corte; como se, com palavras, pudesse resolver todos os conflitos sobre o sentido da existência.

Com o tempo, o credo foi encolhendo. Às vezes acaba soando cínico, às vezes cômico, às vezes sereno, mas continuo trabalhando nele. Recentemente resolvi que tinha de fazê-lo caber inteiro em uma única página e que só podia usar palavras simples, mesmo sabendo que corria o risco de parecer idealista e ingênuo.

A idéia de procurar ser breve, verdadeira inspiração, ocorreu-me num posto de gasolina. Estava abastecendo meu velhíssimo automóvel com a gasolina mais pura, de alta octanagem. Combustível de luxo. O carro protestou: começou a ratear nos cruzamentos, vazava combustível pelas esquinas. Logo entendi o que estava acontecendo. De vez em quando me sinto assim, como o tanque de meu carro. Excesso de informação, excesso de complexidade, e eu é que começo a ratear pelas esquinas – um ratear existencial pelos cruzamentos da vida, justamente nos locais e horas em que tenho de tomar as mais difíceis decisões, e inevitavelmente descubro que ou sei demais, ou sei de menos. Quanto mais penso sobre a vida, mais me convenço de que ela não é um piquenique.

Foi quando descobri que já sei praticamente tudo o que é necessário saber para viver com dignidade – o quê, afinal, não é assim tão complicado. Já sei quais são as coisas que realmente contam. E de fato sei, há muito tempo, porque tenho vivido essas coisas. Sim, claro que viver já são “outros quinhentos”. Eis o meu Credo:

Tudo que eu preciso mesmo saber sobre como viver, o que fazer e como ser, aprendi no jardim-de-infância. A sabedoria não estava no topo da montanha mais alta, no último ano de um curso superior, mas no tanque de areia do pátio da escolinha maternal. Vejam o que aprendi:

Dividir tudo com os companheiros. Jogar conforme as regras do jogo. Não bater em ninguém. Guardar os brinquedos onde os encontrava. Arrumar a “bagunça” que eu mesmo fazia.Não tocar no que não era meu.

Pedir desculpas, se machucava alguém.Lavar as mãos antes de comer.Apertar a descarga da privada.Biscoito quente e leite frio fazem bem à saúde. Fazer de tudo um pouco – estudar, pensar e desenhar, pintar, cantar e dançar, brincar e trabalhar, De tudo um pouco, todos os dias.

Ao sair pelo mundo, cuidado com o trânsito, ficar sempre de mãos dadas com o companheiro e sempre “de olho” na professora.

Pense na sementinha de feijão, plantada no copo de plástico: as raízes vão para baixo e para dentro, e a planta cresce para cima – ninguém sabe como ou por quê, mas a verdade é que nós também somos assim.

Peixes dourados, porquinhos-da-índia, esquilos, hamsters e até a semente no copinho plástico – tudo isso morre. Nós também.

E lembre-se ainda dos livros de histórias infantis e da primeira palavra que você aprendeu, a mais importante de todas: Olhe!

Tudo que você precisa mesmo saber está por aí, em algum lugar. A regra de ouro, o amor e os princípios de higiene. Ecologia e política, igualdade e vida saudável.

Escolha um desses itens e o elabore em termos sofisticados, em linguagem de adulto; depois, aplique-o à vida de sua família ao seu trabalho, à forma de governo de seu país, ao seu mundo, e verá que a verdade que ele contém mantém-se clara e firme. Pense o quanto o mundo seria melhor se todos nós – o mundo inteiro – fizéssemos um lanche de biscoitos com leite às três da tarde e depois nos deitássemos, sem a menor preocupação, cada um no seu colchãozinho, para uma soneca. Ou se todos os governos adotassem, como política básica, a idéia de recolocar as coisas nos lugares onde estavam quando foram retiradas; arrumar a “bagunça” que tivessem feito.

E é verdade, não importa quantos anos você tenha: ao sair pelo mundo, vá de mãos dadas, e fique sempre “de olho” no companheiro.

 

 

 


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