A morte de um filho deixa uma dor eterna
Entrevista de Jorge
Forbes para o jornal O ESTADO DE S. PAULO - caderno Metrópole,
domingo, 13 de abril de 2008.
Opinião é do
psicanalista Jorge Forbes; para psicóloga especialista em luto,
muitas mães nessa situação se culpam por continuar vivendo.
Laura Diniz
Vazio absoluto. Um
nada sem chão, teto ou paredes. Mais que um poço fundo, o fundo sem
o poço. A falta de ar. O desespero. A desesperança. Irracional,
ilógico, inaceitável. As palavras e imagens mais fortes não são
capazes de definir, na opinião de especialistas ouvidos pelo Estado,
o luto de uma mãe que perde um filho.
“A morte de um filho
deixa cicatriz indelével, uma dor eterna”, explicou o psicanalista e
psiquiatra Jorge Forbes, presidente do Instituto da Psicanálise
Lacaniana. “É a pior situação humana, não há perda maior. Não tem
nada de simbólico para a pessoa a elaborar essa perda. Você morre
junto mesmo!”
A empresária Elizabeth
Cabral, de 54 anos, fundadora da ONG Dor de Mãe, disse que,
provavelmente, a bancária Ana Carolina Cunha de Oliveira, de 24,
ainda não realizou a perda da filha, Isabella, de 5. “Está tudo
muito recente. Ela deve estar sendo muito assediada, o País se
movimentou em volta disso”, afirmou Elizabeth, que perdeu um filho
numa cirurgia malsucedida há oito anos. Segundo ela, a ficha demora
muito para cair - já viu casos de um ano -, mas o tempo varia de mãe
para mãe. “Eu segui esperando por um bom tempo. Fazia a comida
preferida dele, limpava a casa com o desinfetante com o cheiro que
ele gostava, não tirava o terno no armário, lavava o tênis. Aos
poucos, fui tomando consciência de que meu filho não voltaria.”
GRADAÇÕES DO LUTO
Em termos técnicos,
chama-se trabalho do luto, segundo Freud, a atividade que a pessoa
realiza quando perde alguém querido. “Para Freud, o ser humano não é
um ser de dois braços e duas pernas. É como se fosse uma ameba com
vários braços e pernas que nos conectam com as pessoas do mundo com
maior ou menor intensidade”, explicou Forbes. Quanto mais difícil
for colocar amor em palavras, mais forte será a conexão e mais
dolorosa, a perda. O trabalho de luto é a recolocação desses “braços
e pernas” que ficaram soltos em outras pessoas e ideais. Ocorre após
um tempo de recuo sobre si mesmo, depressão ou melancolia.
Segundo Forbes, o luto
dura habitualmente de dois a seis meses para pessoas não muito
próximas. No caso de filhos que perdem os pais, leva mais de um ano
quando a morte é imprevisível. A dificuldade em lidar com a perda é
maior entre 5 e 15 anos de idade, quando a pessoa ainda está
constituindo a identidade. “Se for antes, fica mais fácil de
substituir; depois, já se tem recursos para trabalhar o luto.”
Se a morte dos pais é
natural, decorrente da velhice, a dor é amenizada pela
previsibilidade. “O filho vai se preparando durante toda a vida para
a perda dos pais. O trabalho de luto é constante. Ele vai
constituindo outra família, repete nomes de antepassados nos filhos,
muda de posição em relação aos pais - passa a ser provedor -, começa
a falar de herança etc.” A perda vai, então, se transformando em
memória.
O mesmo processo
ocorre quando pais perdem filhos de forma previsível. “Ao longo de
uma doença do filho, por exemplo, a dor dos pais é terrível, mas
haverá elaboração. O luto começa no dia do diagnóstico e eles
iniciam a substituição da presença pela memória”, explicou o
psiquiatra.
Por ser “antinatural”,
a morte imprevisível do filho é a que mais desestabiliza o ser
humano. Nesse caso, o processo de substituição da presença pela
memória e de recolocação no mundo fica muito mais lento e doloroso
porque os pais não conseguem lidar com seus sentimentos. “A pessoa,
nos momentos imediatamente posteriores à perda, percebe abaladas
suas sensações de segurança, esperança, entusiasmo e previsão de
futuro - o popular ‘tô sem chão’. Paradoxalmente, essas são as
ferramentas para o trabalho de luto. Os pais ficam num vazio
absoluto.”
Elizabeth conta que
muitas mães acabam se sentindo “ETs” porque não conseguem lidar com
a dor e o mundo. “O sofrimento pode ser expresso com desespero,
alienações, ou sintomas de enlouquecimento. Muitos pais ficam presos
à presença do filho e a recuperam em um outro mundo”, explicou
Forbes.
A psicóloga Gabriela
Caselatto, doutora em luto materno pela PUC-SP, afirmou que a perda
para a mãe é mais dolorosa que para o pai, pelo que o filho
significa na vida dela. “Representa questões de infância, identidade
pessoal, desempenho como mãe e expectativas de futuro que se cria em
relação ao filho, que é continuidade da vida dela.”
Segundo Gabriela, após
a perda, as mães sentem muita culpa. “Por sobreviver, já que o
filho, de forma antinatural, morreu antes dela; pelos cuidados que
imagina que poderiam ter impedido a morte dele e por sentir prazer
na vida depois da morte de um filho.”
Outro drama enfrentado
pelo casal após a perda é a dificuldade em conviver. Segundo a
psicóloga, pesquisas indicam que 80% dos casais que perdem filhos se
separam. “Os dois não conseguem conversar. Se o marido não quer
falar porque dói e a esposa precisa falar porque ajuda na dor, um
incomoda o outro.”
Elizabeth contou que,
após a morte do filho, fica com o coração mais apertado quando vê
uma família com pai, mãe e todos os filhos por saber que nunca mais
terá sua família junta novamente. “Não existe ex-mãe nem ex-filho.
Vou deixar de pensar no meu filho só no dia em que for calada pela
morte.”
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