Por Pablo Neruda


"Não há solidão inexpugnável.Todos os caminhos levam ao mesmo ponto: à comunicação do que somos. E é preciso atravessar a solidão e a aspereza, a incomunicação e o silêncio para chegar ao recinto mágico, em que podemos dançar rudemente ou cantar com melancolia, mas nessa dança ou nessa canção estão consumados os mais antigos ritos da consciência; da consciência de sermos homens e de crermos num destino comum.

(...)

O poeta não é um "pequeno deus." Não, não é um "pequeno deus." Não está assinalado por um destino cabalístico superior ao dos que exercem outros misteres ou ofícios. Expressei amiúde que o melhor poeta é o homem que nos entrega o pão de cada dia: o padeiro mais próximo, que não se acredita deus. Ele cumpre sua majestosa e humilde tarefa de amassar, enfornar, cozer e entregar o pão de cada dia, com uma obrigação comunitária. E se o poeta chega a alcançar essa singela consciência, poderá também a singela consciência converter-se em parte de uma colossal artesania, de uma construção simples ou complicada, que é a construção da sociedade, a transformação das condições que rodeiam o homem, a entrega da mercadoria: pão, verdade, vinho, sonhos. Se o poeta se incorpora a essa jamais desgastada luta por consignar cada um em mãos dos outros sua ração de compromisso, sua dedicação e sua ternura ao trabalho comum de cada dia e de todos os homens, o poeta tomará parte no suor, no pão, no vinho, no sonho de toda a Humanidade. Somente por esse caminho inalienável de sermos homens comuns chegaremos a restituir à Poesia o amplíssimo espaço que lhe vão recortando em cada época, que lhe vamos recortando em cada época nós mesmos."

 

(De Confesso que Vivi, Difel, Rio, 1974)

 

 

 


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