"Não há solidão inexpugnável.Todos os
caminhos levam ao mesmo ponto: à comunicação do que somos.
E é preciso atravessar a solidão e a aspereza, a
incomunicação e o silêncio para chegar ao recinto mágico, em
que podemos dançar rudemente ou cantar com melancolia,
mas nessa dança ou nessa canção estão consumados os mais
antigos ritos da consciência; da consciência de sermos
homens e de crermos num destino comum.
(...)
O poeta não é um "pequeno deus." Não, não é
um "pequeno deus." Não está assinalado por um destino
cabalístico superior ao dos que exercem outros misteres ou
ofícios. Expressei amiúde que o melhor poeta é o homem que
nos entrega o pão de cada dia: o padeiro mais próximo, que
não se acredita deus. Ele cumpre sua majestosa e humilde
tarefa de amassar, enfornar, cozer e entregar o pão de cada
dia, com uma obrigação comunitária. E se o poeta chega a
alcançar essa singela consciência, poderá também a singela
consciência converter-se em parte de uma colossal artesania,
de uma construção simples ou complicada, que é a construção
da sociedade, a transformação das condições que rodeiam o
homem, a entrega da mercadoria: pão, verdade, vinho, sonhos.
Se o poeta se incorpora a essa jamais desgastada luta por
consignar cada um em mãos dos outros sua ração de
compromisso, sua dedicação e sua ternura ao trabalho comum
de cada dia e de todos os homens, o poeta tomará parte no
suor, no pão, no vinho, no sonho de toda a Humanidade.
Somente por esse caminho inalienável de sermos homens comuns
chegaremos a restituir à Poesia o amplíssimo espaço que lhe
vão recortando em cada época, que lhe vamos recortando em
cada época nós mesmos."
(De Confesso que Vivi, Difel, Rio, 1974)
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