"Nossos
professores não aprenderam a ensinar e, como conseqüência,
nossos alunos não aprendem o que deveriam aprender"
Claudio
de Moura Castro ( Revista Veja)
Ato I. Oitocentos professores no auditório. Peço que
levantem a mão aqueles que aprenderam a ensinar "regra de
três" na faculdade de educação. Surpresa! Nem uma só mão
levantada. Ou seja, não aprenderam como ensinar a mais útil
das ferramentas matemáticas.
Ato II. Três mil professores no auditório. Falo com eles
sobre a importância de receberem material didático bem
detalhado, de forma a melhorar suas aulas e facilitar sua
vida. Sou aplaudido de pé. Choram de decepção, ou de raiva,
os fundamentalistas antilivros presentes ao evento. Para
eles, o professor precisa inventar sua aula em vez de usar o
bom material existente.
Ato III. Eu em conversa com algumas professoras. Como elas
não aprenderam na faculdade a dar aula, admitem que seus
alunos servem de cobaias, enquanto elas aprendem – processo
que pode durar até cinco anos. É como se num curso de
cirurgia os alunos estudassem apenas a psicogênese do ato
cirúrgico. Ao se formarem, teriam de inventar maneiras de
operar seus pacientes, já que não as haviam aprendido no
curso. Pouco a pouco, aumentaria o número de sobreviventes
entre seus pacientes.
Os exemplos acima não têm foros de evidência científica.
Contudo, refletem a direção tomada pelos cursos que formam
nossos professores. Alguns diretores de escolas públicas
falam com nostalgia do velho curso Normal, no qual se
aprendia a dar aula. Foi substituído por faculdades de
Educação, para formar orientadores nas escolas, e pelos
Institutos Normais Superiores, para formar os professores de
sala de aula. Mas essas últimas instituições não eram do
agrado dos gurus da nossa pedagogia. Usando seus potentes
decibéis, conseguiram o seu bloqueio pelo MEC.
O resultado é trágico. Hoje são formados nas faculdades de
Educação não apenas os orientadores, mas a esmagadora
maioria dos que vão ser professores de sala de aula. Nessas
faculdades eles ouvem falar dos livros de muitos autores,
vivos e defuntos, nenhum dos quais ensina a dar aula. Em
compensação, estudam as mais exaltadas teorias, tais como a
luta de classes, a exploração do homem pelo homem, o
imperialismo cultural, os intelectuais orgânicos e a
psicogênese do conhecimento. É como se a inclusão de algum
fragmento de sapiência fosse condicionada a não ter nenhuma
aplicabilidade na sala de aula. Piaget não ensina a
alfabetizar. Portanto, isso não se aprende nessas
faculdades. Resultado: os professores se sentem perdidos
diante dos seus alunos.
O educador chileno Ernesto Schiefelbein diz que um médico
pode abrir um livro de cirurgia e ficar sabendo dos
procedimentos aconselhados para uma apendectomia. Um
educador deveria ter também um livro que pudesse consultar
quando quisesse saber como ensinar a regra de três. Só que
há resistência a livros tão específicos. Para nossos gurus,
é errado explicitar como se ensinam tais detalhes, embora
haja ampla pesquisa mostrando que isso dá bons resultados.
Entalado na controvérsia está o construtivismo, uma
formulação teórica acerca da epistemologia do aprendizado.
Aceitemos ou não as suas formulações, elas nada dizem sobre
como os livros devem ser nem como usá-los. A subsecretária
de Educação da cidade de Nova York é construtivista ferrenha
e confessa. E insiste nos materiais escritos que
especificam, nos mínimos detalhes, como conduzir a sala de
aula. No Brasil, dizem-se construtivistas os gurus furiosos
contra livros detalhados. Ou seja, o uso do livro nada tem a
ver com o construtivismo. Mas tem muito a ver com o bom
aprendizado. A receita é simples, precisamos de livros
detalhados, em mãos de professores que aprenderam a usá-los
e a dar aula. Assim se faz no mundo inteiro.
O resultado de não preparar professores para dar aula e
fazer campanha contra livros é que nem a metade dos alunos
da 4ª série é funcionalmente alfabetizada (todos deveriam
saber ler ao final da 1ª série). O Pisa (uma prova
internacional de aproveitamento escolar) nos mostrou que 23%
dos nossos alunos nem sequer atingem o nível 1, o mais
baixo. No total, 86% estão abaixo do mínimo esperado. A
lógica é inapelável: como os professores não aprenderam a
ensinar, os alunos não aprendem o que deveriam aprender.
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