"Os quatro fantasmas", de Martha Medeiros


Fonte: Jornal “Zero Hora” nº. 15542, 16/3/2008.

Só convivendo amigavelmente com a finitude, a liberdade, a solidão e a falta de sentido da vida é que conseguiremos atravessar os dias de forma mais alegre.

Martha Medeiros

Leiga, totalmente leiga em psicanálise, é o que sou. Mas interessada como se dela dependesse minha sobrevivência. Para saciar essa minha curiosidade, costumo ler alguns livros sobre o assunto, e acabei descobrindo (não lembro através de qual autor, sinto muito) as quatro principais questões que assombram nossas vidas e que determinam nossa sanidade mental.

São elas:

1) sabemos que vamos morrer;

2) somos livres para viver como desejamos;

3) nossa solidão é intrínseca;

4) a vida não tem sentido.

Basicamente, isso. Nossas maiores angústias e dificuldades advêm da maneira como lidamos com nossa finitude, com nossa liberdade, com nossa solidão e com a gratuidade da vida. Sábio é aquele que, diante dessas quatro verdades, não se desespera. Realmente, não são questões fáceis. A consciência de que vamos morrer talvez seja a mais desestabilizadora, mas costumamos pensar nisso apenas quando há uma ameaça concreta: o diagnóstico de uma doença ou o avanço da idade. As outras perturbações são mais corriqueiras. Somos livres para escolher o que fazer de nossas vidas, e isso é amedrontador, pois coloca a responsabilidade em nossas mãos. A solidão assusta também, mas sabemos que há como conviver com ela: basta que a gente dê conteúdo à nossa existência, que tenhamos uma vontade incessante de aprender, de saber, de se autoconhecer. Quanto à gratuidade da vida, alguns resolvem com religião, outros com bom humor e humildade. O que estamos fazendo aqui? Estamos todos de passagem. Portanto, não aborreça os outros e nem a si próprio, trate de fazer o bem e de se divertir, que já é um grande projeto pessoal.

Volto a destacar: bom humor e humildade são essenciais para ficarmos em paz. Os arrogantes são os que menos conseguem conviver com a finitude, com a liberdade, com a solidão e com a falta de sentido da vida. Eles se julgam imortais, eles querem ditar as regras para os outros, eles recusam o silêncio e não vivem sem aplausos e holofotes, dos quais são patéticos dependentes. A arrogância e a falta de humor conduzem muita gente a um sofrimento que poderia ser bastante minimizado: bastaria que eles tivessem mais tolerância diante das incertezas.

Tudo é incerto, a começar pela data da nossa morte. Incerto é nosso destino, pois, por mais que façamos escolhas, elas só se mostrarão acertadas ou desastrosas lá adiante, na hora do balanço final. Incertos são nossos amores, e por isso é tão importante sentir-se bem mesmo estando só. Enfim, incerta é a vida e tudo o que ela comporta. Somos aprendizes, somos novatos, mas beneficiários de uma dádiva: nascemos. Tivemos a chance de existir. De se relacionar. De fazer tentativas. O sentido disso tudo? Fazer parte. Simplesmente fazer parte.

Muitos têm uma dificuldade tremenda em aceitar essa transitoriedade. Por isso a psicoterapia é tão benéfica. Ela estende a mão e ajuda a domar nosso medo. Só convivendo amigavelmente

com esses quatro fantasmas – finitude, liberdade, solidão e falta de sentido da vida – é que conseguiremos atravessar os dias de forma mais alegre e desassombrada.

 

 

 


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