Mario Sergio Cortella: 'escola cuida só de escolarização'
25/07/2008 - 20h33 (Cláudia
Feliz - A Gazeta)
foto: Divulgação
Ele fala com propriedade sobre o que,
unanimemente, é apontado como a forma mais eficaz de fazer um país
crescer, dando à sua população melhores condições de vida: a educação.
Considerado um dos grandes especialistas brasileiros no assunto, o
filósofo e educador Mário Cortella será um dos palestrantes do Conhecer
2008, congresso educacional do Espírito Santo que acontece em agosto, em
Aracruz. Conheça, nesta entrevista, o que ele pensa sobre cotas, escola
de tempo integral, avaliação, entre outros temas.
Qual sua visão sobre a Educação no Brasil?
Não tenho uma visão catastrofista, mas também não tenho uma visão
triunfalista, de que já tenhamos recuperado todos os percalços e agruras
que precisam ser enfrentados. Ao contrário. Temos um grande caminho a
percorrer. Mas não gosto de ficar fazendo autópsia, vendo apenas causas
do falecimento, quando lido com questões sociais.
Quais são as doenças que o país apresenta nessa área?
Temos uma série de patologias na Educação. A primeira é um descaso
histórico de elites predatórias. Somos um país com 508 anos de idade,
mas só em 1930 foi fundado o Ministério da Educação e Saúde. Esse
descaso nos levou, durante quatro séculos, a não ter educação pública, e
no Século XX a termos uma degradação do aparelho escolar durante a
ditadura militar, provocada por uma estrutura de investimento muito
baixa. Só nos últimos 40 anos a escola brasileira se tornou pública -
passou a ter povo dentro dela. E foi aí que passou a ter as melhores
taxas de investimento reais, dentro das possibilidades. rede pública é a
maior. Sim, 87% das vagas no Brasil estão no ensino público. Aliás, a
questão séria no país não é escola pública versus escola privada, mas
escola pública versus escola ruim. E boas e ruins temos em ambos os
campos.
Mas prevalece a visão de que escola boa é a privada. O que há de
falho, que muitos não vêem?
Veja bem, para existirem professores de escola pública eles precisam ser
formados, e a quase totalidade desses profissionais é formada no ensino
privado de nível superior. A formação oferecida no curso superior
privado é de tão má qualidade, que o professor da escola pública que
nela foi formado também vai fazer um trabalho de qualidade ruim.
Como o senhor vê as avaliações nacionais? Quase sempre definem um
ranking que evidencia a diferença entre públicas e privadas.
É preciso fazer avaliações. O Governo Fernando Henrique, nos dois
mandatos, implantou esse processo, e depois o Governo Lula o
aperfeiçoou. Evidentemente, uma avaliação em si não basta. É preciso
cruzar os dados das avaliações, porque elas às vezes capturam momentos
em que, por exemplo, alunos de um curso superior boicotam a prova. Ou,
então, que alunos foram preparados para o exame. Hoje existem escolas
privadas que fazem cursinho para seus alunos participarem do Enem, de
maneira que as faça subir no ranking das notas. Portanto, há um
artificialismo nesse campo, que precisa ser cuidado. Mas não é estranho
que alunos de escolas privadas se saiam melhor.
Por que?
Os exames medem um nível de acesso à informação que esses alunos têm em
maior quantidade, por causa da camada social. É gente que viaja, que tem
acesso à internet, que tem pais alfabetizados. Mas é preciso lembrar que
uma parcela significativa dos professores da rede pública também dá aula
na rede privada, e vice-versa.
A postura do profissional muda, de acordo com a rede onde ele atua?
Sim, mas muda o tipo de aluno, também. Eu saí de Londrina, no Paraná,
onde nasci, e vim para São Paulo, onde ingressei na escola pública em
1968, para concluir o antigo ginásio. Dois dos meus colegas sustentavam
a si mesmos. Um trabalhava num bar, o outro no Correio. Tínhamos os
mesmos professores, as mesmas provas e os mesmos livros. No entanto, eu
sempre tirava nota mais alta do que eles. Sou um gênio? Claro que não! O
que define são as condições anteriores. Meus pais podiam me ajudar nos
trabalhos escolares, eu tinha tempo para ir à biblioteca e pesquisar.
Não por acaso, as melhores notas nas avaliações são das escolas
militares. Porque nelas há concurso de ingresso, portanto, um filtro.
Assim acontece com as escolas técnicas federais?
Claro. Se você já tem a elite na escola, que já foi selecionada num
vestibulinho, na hora da avaliação o resultado não vai ser diferente.
Como o senhor vê a implantação das cotas?
Sou absolutamente favorável às cotas para afro-descendentes, por um
período transitório, de no máximo, 20 anos, em que se deva trabalhar
cruzando as cotas de afro-descendentes com as cotas públicas, de maneira
que se capture dois pontos de exclusão: o mais pobre e o discriminado. O
fato de uma pessoa ser afro-descendente leva mais facilmente à
discriminação. Sou favorável a uma medida emergencial. As cotas
existiram nos Estados Unidos por 40 anos, e tiveram resultado. É só
olhar Condoleesa Rice, Obama - seus antecessores familiares puderam ser
escolarizados graças às cotas. Martin Luter King dizia: "Partimos numa
corrida com 300 anos de atraso. Bom, agora temos que ter alguma vantagem
para podermos chegar juntos". Eu sei que o tema é polêmico, mas não temo
a polêmica.
Em 20 anos, o que se conseguiria?
Nesse tempo, uma geração completa pode passar por um processo que a
pessoa não passaria sem a ajuda das cotas. Olha, as universidades do Rio
de janeiro e de Campinas, que usam cotas, fizeram pesquisas que
mostraram que os alunos cotistas têm desempenho melhor que os
não-cotistas. Eles sabem que precisam se esforçar mais. A cota é
emergencial. Alguém defende a não-existência de UTI em hospital? Quem
precisa mais deve receber um maior atendimento.
No Brasil, o que move as escolas e muitas famílias é o vestibular.
Como o senhor vê esse tipo de seleção?
O vestibular só existe porque há menos vagas do que candidatos. Nos
Estados Unidos, em vários países da Europa, não há. As pessoas são
selecionadas por entrevista, por desempenho no ensino médio, por
recomendação. Mas em vez de se discutir o tamanho da porteira, tem é que
se discutir a reforma agrária da universidade pública. A PUC de São e a
Unicamp fizeram uma pesquisa e constaram que as melhores notas durante o
curso não são as melhores notas do vestibular. Quem tem melhor nota ao
longo do curso é quem obteve melhor nota na Prova de Redação do
vestibular. Os que obtêm melhores notas no vestibular vão bem no
primeiro ano de curso, quando ainda usam as informações do ensino médio.
E é bom lembrar que, hoje, graduação não corresponde mais à carreira.
Alguém que faz graduação em Economia vai lidar com hotel, ou se cursa
Administração, abre um restaurante. Houve, inclusive, mudanças em
relação à idade. Hoje, a extensão do tempo de vida leva a outra lógica,
porque aos 60 anos as pessoas não estão mais "desembarcando" (riso). Mas
uma parte das famílias ainda tem um olhar perdido no passado.
Pela preocupação com uma formação para o mercado logo cedo.
O mercado de trabalho está mais fluido e mais plurifacetado do que era
em outros tempos. A graduação não pode ser uma barreira, e sim uma
fronteira de conhecimentos. Se ela tem uma sólida base inicial, mesmo
que não se tenha todos os conteúdos, oferece condições, mais tarde, de
um desenvolvimento autônomo.
Houve um incentivo à abertura de cursos superiores no país,
investimento na universalização do ensino fundamental...
Houve uma expansão acelerada do ensino superior, mas hoje ele ainda é
muito restrito, em relação ao conjunto da população brasileira. Chega a
quatro milhões de alunos, enquanto no ensino fundamental são 40 milhões.
O que tivemos foi uma democratização, sem uma democratização da
permanência ? as pessoas ficarem até o nono ano do ensino fundamental,
para não ter o que chamamos de mortalidade estudantil precoce, que ainda
é muito alta no Brasil. Hoje, a bolsa-família ajuda a diminuir esse
índice, mas é necessária também a aplicação de outras sistemáticas de
manutenção da inclusão, como os processos de organização por ciclos,
estrutura de acompanhamento paralelo para adequação idade-série, que no
nosso país tem uma distorção muito grande ? um menino de 15 anos, às
vezes, ainda está na 5ª série, e logo se desinteressa pelo processo. Se
nós já caminhamos para a obrigatoriedade constitucional, que é a
democratização universal das crianças no ensino fundamental de 7 a 14
anos, agora as estruturas de manutenção dos jovens, de aprofundamento da
educação infantil, e de ensino médio se colocam como algo absolutamente
urgente.
O ensino médio é um dos nossos problemas, um dos gargalos.
Sim, mas teve um aumento estupendo, nos últimos dez anos, quando havia
uma média de 2,5 milhões de alunos no ensino médio, e hoje são quase 9
milhões. Agora parou essa expansão, que tinha a ver também com nossa
curva demográfica. Por outro lado, o crescimento se deu porque várias
áreas da educação pública criaram mecanismos de avanço continuado, o que
fez com que muita gente concluísse o ensino fundamental. Mas a educação
infantil ainda é uma urgência muito grande, porque atinge a população
mais pobre. Para as famílias de classe média não tem um impacto muito
forte a obrigatoriedade de ingresso aos 6 anos, porque as escolas
privadas lidam com isso com facilidade, mas para a criança filha das
famílias do povo, é muito importante.
Nossas boas escolas, privadas ou públicas, ainda ficam em posição de
desvantagem em comparação com países mais desenvolvidos, em termos de
avaliação de desempenho dos alunos.
É verdade. Acontece que temos um nível muito recente de escolarização,
com um número maior de pessoas. Há 50 anos, no Brasil, 30% da população
viviam nas cidades, 70% no campo ou em pequenas cidades. Quem
freqüentava escola era um grupo diminuto, e não existiam avaliações como
as que existem hoje. No Brasil, não temos uma série de situações que
essas avaliações medem. Por exemplo: não damos privilégio para a área de
Matemática, que o Pisa mede. Nós também não desenvolvemos uma estrutura
de leitura, e quando se faz testes relacionados ao idioma, interpretação
de texto, especialmente, tem uma quebra. Parte desses testes
internacionais é voltada para coisas que o Brasil não desenvolve muito
na escola, o que não significa que estejamos em posição positiva. Há
países que dão atenção extrema à Literatura e Matemática, e não
trabalham com Geografia, História. Raramente um norte-americano sabe
sobre outros países. No Brasil, uma parte do nosso conhecimento escolar
é voltada para um leque maior de conhecimento.
O que é importante.
Claro. Acho que os testes internacionais servem como referência, mas não
como obrigatoriedade, porque temos um currículo um pouco mais aberto,
por ser um modelo francês, onde se estuda História, Geografia, que não
se restringe ao código matemático e ao código lingüístico. Não por
acaso, somos a décima economia do planeta...
Uma pesquisa recente mostrou que professores apontam a família como uma
das responsáveis pelas dificuldades de aprendizagem dos alunos,
eximindo-se, em parte, dessa responsabilidade. Por outro lado, há
cobranças em relação à deficiência dos educadores.
É preciso parar com a idéia de que educação é crime perfeito, onde só
tem vítima, não tem autor. As famílias têm seu pedaço. Hoje a escola tem
que oferecer Educação Física, Educação Artística, Educação Sexual,
Educação Religiosa, educação ecológica, educação para o trânsito,
fornecer informação sobre alimentação. Há um envolvimento restrito das
famílias, supondo que basta entregar a criança na escola que ela será
educada. É preciso reforçar: escola cuida de escolarização, um pedaço da
educação. Criança é responsabilidade da família. É claro que há
responsabilidade dos docentes, e a formação desses profissionais precisa
ser aperfeiçoada. Muitos governantes e parlamentares nunca deram à
Educação a condição que levasse o docente a ter uma melhor formação
continuada, e a parceria com as universidades nunca foi de uma eficácia
muito grande. Há responsabilidade das autoridades e dos docentes também.
E uma vítima: o aluno.
Há quem defenda a ampliação do tempo de permanência na escola, como
forma de melhorar a qualidade do ensino.
Sou contra a escola de tempo integral, e sou a favor de educação de
período integral. Sou contra criança ficar na escola o dia inteiro,
tendo aula o dia todo, e a favor de ela permanecer num equipamento
educacional o dia todo, sendo que metade desse dia nas atividades
escolares e o resto em outros níveis da educação: música, lazer, artes.
Escola de período integral com crianças fechadas o dia inteiro? Se isso
funcionasse, penitenciária seria o melhor lugar para se fazer
especialização. É preciso estender o tempo de educação, com a
escolarização dentro dele.
Em quanto tempo alcançaremos um padrão melhor na educação brasileira?
Acho que até 2020 vamos dar saltos significativos nessa área. Aquilo que
foi inicialmente plantado, no governo Fernando Henrique Cardoso, vem
sendo maximizado pelo atual governo. As metas levarão ao crescimento. O
aumento no percentual do PIB na área educacional, uma presença mais
efetiva do ensino técnico na formação cotidiana. Agora o MEC está
criando uma bolsa docente para a educação continuada, estabelecendo um
piso nacional salarial, por volta de R$ 950. Ou seja, coisas que vão na
direção da melhoria.
E salário tem a ver com aumento de auto-estima do professor.
Hoje o Brasil tem 500 mil pessoas cursando magistério, Jovens que estão
no ensino médio de formação docente. Noventa e cinco por cento da
categoria é formada por mulheres. Elas conseguem conciliar o trabalho na
escola com a família. Nenhum de nós entra na educação pensando só no
salário. Quero deixar uma frase que gosto muito, do São Beda, que viveu
no século VIII, britânico. Ele diz: "Há três caminhos para o fracasso: o
primeiro é não ensinar o que se sabe, o segundo é não praticar o que se
ensina, e o terceiro é não perguntar o que se ignora". No que se refere
à educação brasileira, há três caminhos para o sucesso: ensinar o que se
sabe, praticar o que se ensina e perguntar o que se ignora.
Data |
Hora |
Descrição |
29/08/2008
Sexta |
16:00
às
21:00 |
|
19:00
às
19:30 |
|
19:30
às
20:30 |
Espetáculo de Abertura:
Tema: "O menino que queria
salvar o mundo" - Grupo de Teatro Campanelli |
|
20:30
às
22:00 |
Palestra de Abertura
Marcos Meier (PR)
Tema: "Valores: formando
cidadãos para além da escola da família" |
|
30/08/2008
Sábado |
08:00
às
08:30 |
|
08:30
às
10:00 |
Palestra
Rosita Edler (RJ)
Tema: "A ecologia como
inspiradora do desenvolvimento do currículo por
projetos de trabalho" |
|
10:00
às
10:30 |
Intervalo e visita à feira |
|
10:30
às
12:00 |
Palestra
Gaudêncio Frigotto (RJ)
Tema: "A escola básica e a
formação de sujeitos conscientes e ativos face à
distruição de diretios e as bases da vida" |
|
12:00
às
14:00 |
|
14:00
às
15:30 |
Palestra
Paulo Célio Figueiredo
(MG)
Tema: "A sustentabilidade
do meio ambiente como responsabilidade social" |
|
15:30
às
16:00 |
Intervalo e Visita à Feira |
|
16:00
às
17:00 |
Palestra
Mário Sérgio Cortella (SP)
Tema: "Resposabilidade
Social é coisa séria!" |
|
23:00
às
00:30 |
Super Show
Paulo Ricardo
Exclusivo para
Congressistas |
|
31/08/2008
Domingo |
08:15
às
08:30 |
|
08:30
às
10:00 |
Palestra
Guiomar Namo de Mello (SP)
Tema: "Cidadania: É possível ensiná-la na
Educação Básica?" |
|
10:00
às
10:30 |
Intervalo e Visita à Feira |
|
10:30
às
12:00 |
Palestra
Martha Tristão (ES)
Tema: "Educação Ambiental para reencantar o
cotidiano das escolas" |
|
12:00
às
13:30 |
|
13:30
às
15:00 |
Palestra
Ana Beatriz Barbosa e Silva (RJ)
Tema: "Inteligência e Criatividade: novas formas
de avaliação escolar" |
|
15:15
às
16:45 |
Palestra
Daniel Godri (PR)
Tema: "Colaboradores brilhantes, líderes
fascinantes" |
|
17:00
às
18:00 |
Encerramento e entrega de certificado. |
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|