Publicação: 20/10/2013 06:00 Atualização: 20/10/2013 08:26
J., de 41 anos, publicitária, se assustou quando um dia, durante uma briga entre seus dois filhos, de 7 e 11 anos, o pai disse: “Quando crescerem, esses meninos vão se matar”. Mesmo atordoada pelos desentendimentos dos pequenos, ela nunca tinha relacionado sua própria história à contada na Bíblia, até que o mais novo comentou: “Somos como Caim e Abel”. E J. ficou apavorada. Os sinais a fizeram repensar a relação familiar e reconhecer que havia briga excessiva. Eram apelidos, agressões verbais, ofensas. O problema, que se repete em muitas famílias, virou pesquisa da Sociedade Americana de Pediatria. Divulgado recentemente, o estudo mostra que ser vítima de violência entre irmãos gera riscos à saúde mental, principalmente até os 9 anos, e chega a classificar alguns casos como bullying – o termo, de origem inglesa, é derivado de bully (valentão) e é atribuído a um conjunto de comportamentos agressivos e repetitivos de uma pessoa contra outra.
A pesquisa americana entrevistou 3.599 pessoas. Foram jovens de 10 a 17 anos e cuidadores de crianças de até 9 anos. O resultado mostrou que aqueles que sofreram agressão de um irmão, seja psicológica ou física, relataram abalos à saúde mental, como depressão e ansiedade. Em Minas, psicólogos começam a tratar em seus consultórios de casos de brigas entre irmãos com características semelhantes ao bullying. “Por vezes, surpreendentemente, os irmãos são os maiores bullies (agressores). Protegidos que estão pelo caráter a priori insuspeito das suas ações, podem ‘massacrar’ de forma ostensiva ou discreta os seus irmãos”, diz o professor Alexandre Ventura, pesquisador do Departamento de Educação da Universidade de Aveio, em Portugal, que mora em Belo Horizonte. “O limite é a fronteira do respeito. Se for ultrapassada, é necessário agir com firmeza, principalmente porque pesquisas recentes mostram que a norma entre agressores e vítimas no bullying entre irmãos é a aceitação de tal comportamento, como se fosse normal”, acrescenta.
D., de 9, tem um irmão de 17, B. Acompanhado pela psicopedagoga Jane Patrícia Haddad, especialista em infância e adolescência, D. chegou ao consultório se queixando de suor frio, relatando que acorda assustado e que tem medo de B. Durante as conversas na terapia, D. relatou que o irmão o ameaça, diz que seus pais irão embora, que ele os deixa triste, o chama de burro. Jane chamou os pais e viu que precisava envolver também B. nas consultas. Numa delas, o mais velho assumiu que achava o irmão desprendido, extrovertido, características que queria ter. Para a psicopedagoga, o caso pode ser classificado como bullying.
A família está em tratamento. D. é acompanhado também por um psiquiatra, por apresentar crises de ansiedade e, em dias de prova na escola, repetir aos professores que é burro e que não vai conseguir fazer os exames. Segundo Jane Haddad, o mais velho passou a nutrir ciúmes excessivos. “Foi fundamental o trabalho de desvendar o que estava por trás do agressor e também do agredido”, disse a especialista. A família não quis falar sobre o caso, mas, por meio da psicopedagoga, o pai mandou uma mensagem: “Aprendi que cada filho deve ser valorizado pelo que ele é. Hoje até choro por não ter percebido antes”.
CIÚMES A publicitária J. percebe que o filho mais velho tem ciúmes demais do mais novo e diz que tenta ser o mais justa possível. Quando vê xingamentos e brigas, os põe de castigo. Ela diz que se preocupa com o futuro, mas confia que é coisa de criança. “Eles brigam, mas vão parar de brigar. Vejo que se amam, se preocupam um com o outro.” Em breve, a família vai começar uma terapia em conjunto.
Em pesquisa do Observatório de Saúde Urbana de BH, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um em cada quatro jovens da capital entrevistados disseram ter sofrido bullying. No trabalho, a psicóloga Michelle Ralil da Costa identificou que uma parte sofreu intimidações no ambiente familiar. “Para ser bullying, tem que ter atitudes repetidas e com a intenção de causar sofrimento”, disse Michelle. Para ela, a briga entre irmãos é comum, mas extrapola o limite quando há violência física ou verbal voltada para uma criança.
Situações que servem de alerta para pais
» As brigas entre irmãos criam perigo real de dano físico a qualquer membro da família
» Brigas prejudicam a autoestima ou o bem-estar psicológico de alguém da família
» Um dos irmãos é agressivo com o outro de forma frequente e sistemática
» Um dos irmãos é sempre a vítima, não revida e apresenta sintomas de depressão
Como agir em casos extremos
» Converse com o agressor e tente identificar o que o motivou. Dê importância ao que ele falar, que pode ser ciúmes, falta de atenção dos pais ou problemas na escola
» Se for procurado pelo filho agredido ou pelo agressor para uma conversa escute o que ele tem a dizer com atenção. Não minimize o relato considerando “coisa de criança”
» Estimule estratégias de resolução de conflito. Se durante uma briga um dos irmãos decide ceder ou propõe um trato vantajoso para os dois, a iniciativa deve ser elogiada
» Se um deles for muito pequeno e tiver dificuldade na resolução de problemas, os
pais devem intervir, mas sem tomar partido
» Se a briga ficar grave, as crianças devem ser separadas até que se
acalmem. Imponha limite: se pais se omitem, a agressividade não terá barreiras
Fonte: especialistas Alexandre Ventura, Arthur Kümmer, Michelle Ralil e Sônia Castanheira e Mariana Vidigal
Pais devem agir com atenção e cautela
No meio da briga dos filhos estão os pais. Prontos para intervir, eles devem ser cautelosos, sem tender para um lado ou outro. Para especialistas, não se deve tomar partido. Durante o conflito, eles dizem, não importa quem começou. “A intervenção dos pais deve ser para garantir a justeza da resolução do conflito e estimular formas maduras para que isso ocorra”, afirmou o professor de psiquiatria infantil Arthur Kümmer, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Interferir a favor de um dos lados, alerta o professor, acirra a rivalidade entre os irmãos e a disputa pela atenção dos pais. A atenção deve ser dada também ao filho agressor. Para o especialista, os responsáveis devem refletir que há um motivo para as agressões, “incluindo o sentimento de não ser o filho preferido ou achar que está sendo preterido”.
A psicanalista Mariana Furtado Vidigal aponta o diálogo entre a família como a chave para prevenir atos de violência. “Eles precisam mediar essa relação e, mais do que isso, tentar entender o que está acontecendo. Tanto o agressor quanto o agredido devem ter alguma dificuldade. É preciso ouvir os filhos e identificar o motivo do conflito”, disse.
A rivalidade excessiva entre irmãos pode ter consequências psicológicas graves, como estresse, repetição da violência, ansiedade, depressão e raiva. No futuro, quem sofreu o assédio tende a repeti-lo na vida adulta. “Se esse comportamento passar a ser trivial, provavelmente gerará um adulto mais violento, que pensa em conseguir tudo na base da agressão. Sua história passada lhe revela que se comportar assim funcionou”, avaliou Sônia Castanheira, psicóloga clínica e terapeuta comportamental. Já na avaliação do professor Alexandre Ventura, os estudos mostram que os agressores têm maior probabilidade de, na idade adulta, se envolverem em situações de violência no namoro, doméstica, no trabalho. As vítimas, segundo ele, têm maior tendência a terem afetadas sua autoestima e capacidade de relacionamento interpessoal. O processo pode, diz ele, desencadear patologias. “Na idade adulta, as pesquisas destacam reflexos decorrentes do bullying entre irmãos diversificados, como distúrbios alimentares, abuso de álcool e drogas, elevados níveis de ansiedade, depressão e comportamentos antissociais.”
Alexandre Ventura
Professor
Departamento de Educação
Campus Universitário de Santiago
3810-193 Aveiro
Portugal
Tlf: +351 234 247 131 (Ext. 24241)
Profile – http://pt.linkedin.com/pub/alexandre-ventura/a/678/830
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