Jane Patrícia Haddad

Palestras e Conferências

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O Tecer da Escola: O Acolhimento como fio condutor dos próximos anos

 

O TECER DA ESCOLA: O ACOLHIMENTO COMO FIO CONDUTOR DOS PRÓXIMOS ANOS

Jane P. Haddad

“A missanga, todos a veem. Ninguém nota o fio que, em colar vistoso, vai compondo as missangas. Também assim é a voz do poeta: um fio de silêncio costurando o tempo”... Mia Couto escreve no livro: o fio das missangas

Vivemos um momento novo na história da humanidade, o momento atual provoca, em cada um de nós educadores incertezas e uma única certeza: desejamos continuar presentes nesse TEAR, chamado Escola. O momento atual nos requer aprender-desaprende, e cá entre nós, e como estamos aprendendo hem? Da noite para o dia nos tornamos verdadeiros avatares, fomos convocados a uma adaptação e flexibilização jamais vivida nos últimos cem anos. Da noite para o dia incorporamos tecnologias na vida pessoal, familiar e profissional. Mesclamos o mundo real ao virtual, passamos a viver um tempo das urgências, com uma intensidade de sentimentos jamais sentidos e vividos. Foi nesse clima de urgência de não perder a sensibilidade que mergulhei na literatura e poesia para tecer o fio condutor dessa reflexão.

Obrigada ao receber o convite de escrever na revista de vocês, logo pensei em tecer uma analogia da nossa educação com o conto O Fio das Missangas, que tanto me tocou, Mia Couto, escritor natural de Moçambique que tece palavras como ninguém, a sua sensibilidade e poética me tocaram profundamente. Tecer, é sempre o que acredito, ele jamais se fecha, está sempre em aberto, assim como a nossa educação, é assim que convido a cada um de você a tecer. Entre palavras e escuta, teço palavras, sensibilidades e coragem em seguir junto com cada um de vocês, essa costura chamada EDUCAÇÃO.

Ponto a ponto, sensibilizar-se é um exercício diário de ir e vir, um exercício de não se acostumar com pessimismo, desesperança e discursos de fim dos tempos da Escola. Se estamos aqui, hoje, lendo este texto é porque estamos vivos e sensíveis, sobrevivendo ao cenário mundial desse vírus invisível que nos trancou em nossas casas, nos distanciou dos nossos entes queridos, nos afastou das nossas escolas e que tentou e ainda tenta arduamente a nos encher de desesperança. É nesse cenário que convido a cada um de vocês a fiar e desfiar um outro olhar, uma outra forma sensível de escutar esse momento, lembrando que: esse momento é para pessoas sensíveis a ao mesmo tempo corajosos, assim tipo nós, educadores.

É assim que nos últimos oito meses, venho costurado pedaço a pedaço em lives, aulas, escritos, memórias e lembranças da época de infância. No dia a dia, fico buscando pontos em comum com outros educadores, ligando... minha vida de estudante a minha escolha profissional, acreditem, faz todo sentido.

Foi lá atrás que fui fisgada por uma professora sensível, corajosa e que jamais desistiu de me apresentar o mundo que ela sonhava e apostava, com certeza, ela me fez acreditar que esse mundo existia, sensivelmente ela me fez acreditar que é possível olhar e enxergar nas pessoas o que elas tem e não o que lhes falta e é assim que sigo até hoje, acreditando e tecendo um mundo melhor, mais sensível e empático. Enquanto viver, é nesse TEAR que desejo continuar...

Cresci em uma grande Escola de Freiras na cidade de São Paulo, foi ali que que vivenciei minha transformação que tento tecer até os dias atuais. Sempre repito uma frase tão óbvia: “Do amor ninguém foge” então é sob ele que deveremos nos debruçar nos próximos anos, onde teceremos posição de ACOLHIMENTO e ESCUTA com nós mesmos e com o outro. Como escreve Mia Couto no seu sensível conto: “Não sou velho, é verdade. Mas fui ganhando muitas velhices” e como acredito nesses ganhos, afinal são nas nossas “velhices” jovens que nos transformamos em colares de solidariedade, aprendizagens, e verdadeiras epidemias de esperança por uma “nova” educação que vem sendo fiada, fio a fio.

O que estou tentando sugerir é que as missangas humanas presentes nas escolas todos veem, não é preciso muito esforço, elas são visíveis e vistosas na sua diversidade de cores, tamanhos, fio a fio elas vão sendo tecidas ora nas relações humanas presenciais, ora nas conexões virtuais onde quase acreditamos sermos super heróis e heroínas... UFA... não somos! Somos apenas humanos em constante transformação, ano a ano seguimos entrelaçados em fios de máquinas ligadas, mantenedores humanos, gestores humanos, professores humanos, famílias humanas, estudantes humanos, funcionários humanos... e lá se vai 2020 esse ano fiado em espanto, medo e coragem de juntos continuarmos fiando vidas humanas em um TEAR chamado educação, um fiar nada fácil.

Assim seguimos costurando o ano de 2020 e 2021, tendo o ACOLHIMENTO como fio condutor dos próximos anos.

Acolher e Escutar serão ferramentas essenciais em uma educação “marcada” pelo isolamento social, pelas incertezas de um retorno, pelo excesso de exposição a telas, pelo sentimento de morte eminente, marcada na “carne” viva de cada um de nós. Palavras e a escuta se entrelaçam nessa “nova” educação tecida em um movimento contínuo de ir e vir, considerando suas urgências para o momento presente e os futuros anos da educação brasileira.

Nesse momento de tantos excessos e rupturas, o tecer humano é que fará toda diferença em qualquer processo de aprendizagem, o momento é de aproximação (mesmo que virtualmente) de cada um, sejam eles nossos pares, nosso sindicato, família, comunidade... O momento é de reconhecermos a importância do FIO, esse fio que nos torna humanos melhores, reflexivos e atentos a si mesmo e ao outro, esse fio que tece e aproxima nossas inteligências (emocional e cognitiva), esse fio invisível que vem nos sustentando e contornando os nós vividos nesse ano.

Nenhuma ponta ficará solta, tecemos sem cessar (professores), costurando “missangas” (estudantes) para que nenhum deles fique de fora. Quando estaremos prontos então? Não tenho essa resposta, mas tenho uma: ISSO VAI PASSAR, e o tempo atento nos mostrará pontos necessários para seguirmos alinhavando possíveis caminhos. O momento é de transição, celebrar e despedir-se aulas de costuras “envelhecidas” que não nos cabem mais.

O mais importante do TEAR, chamado ano de 2020 é aprender a aprender, tecer e tecer, sempre, a cada ponto, um arremate a ser experimentado e marcado nesse tecido chamado VIDA, onde estamos entrecruzando tempos, espaços, casas, escola, gerações, currículo, fases da infância, adolescência e vida adulta se entrelaçam FIO a FIO e nos ensinam a acolher nossas adversidades humanas.

O ano de 2020, vai se despedindo. Saudades? Não!!!! Mas, um ano de muitas APRENDIZAGENS e percepções de “nova” costura com tendências de novas cores, outros estilos com cores vivas e texturas inovadoras. Ponto a ponto estamos aprendendo a entrelaçar nossas MISSANGAS sustentadas por fios antes invisíveis e hoje visíveis.