Por Jane Patricia Haddad *
Prefiro a inquietação ao acomodamento. O barulho ao silêncio.
A incerteza de não saber do que a certeza de tudo prever.
O caso do “Massacre do Realengo” causou mal-estar na educação e deixou uma pergunta no ar: o que levou o jovem Wellington, de 23 anos, a assassinar doze jovens e depois cometer suicídio? Para relembrá-los, Wellington foi aluno da Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro do Realengo, no Rio de Janeiro, e no dia 7 de abril de 2011 invadiu o local e começou a atirar contra os estudantes.
A princípio, eu particularmente acreditava que este tipo de crime só acontecia em outro País que não o Brasil. No entanto, estamos assistindo, dia a dia, diversos atos que nos fazem relembrar aquele triste sete de abril de 2011. Um dia marcado na memória de muitos e esquecido no volume de informações recebidas diariamente. Porém, me sinto convocada, como educadora e cidadã, a provocar debate, estudos, além de hipóteses em torno daquele ATO do qual nos escapou a PALAVRA.
Detalhes daquele dia ressoam até hoje na minha memória: por que Wellington deixou o “gordinho” sair correndo? (um dos alunos sobreviventes ao massacre, que ele permitiu que saísse correndo). O “gordinho”! Por quê?
O mal-estar permanece entre professores, pais e sociedade. Ainda hoje escuto em minhas consultorias, crianças e jovens perguntarem: Alguém pode nos matar aqui na escola? Algo nos escapou, a palavra cessou e o barulho se aquietou. Onde não há explicação a Psicanálise é convidada a entrar, já que ela não diz o que deve ser feito, apenas (des) autoriza a repetição de “velhas” respostas e explicações para algo que tenha nos escapado.
A Psicanálise nos permite (re) visitar nossas certezas: crianças e jovens, disciplinados, que cumprem prontamente normas pré-estabelecidas e tiram notas acima da média e apresentam comportamento de acordo com a idade cronológica, são considerados “normais”? O que é, afinal, entendido como normal e patológico? De onde surgem crianças e jovens com necessidades de bater, maltratar, matar? Quando e como poderemos dar uma resposta àquela criança que nos pergunta, se ali, naquela escola, alguém pode matá-los?
Eu diria que estas questões, juntamente com a indagação central deste artigo - O que levou o jovem Wellington, de 23 anos, a assassinar doze jovens e depois a cometer suicídio? – nos colocam diante de impasses que ultrapassam uma discussão psicológica– pedagógica determinante.
Algo é manifesto na banalização diária da violência. Hoje se mata por um par de tênis; eliminam-se pessoas por pensarem diferente de nós, classificam-se pessoas por nomes de doenças e circunstâncias, sem contar a (s) chamadas (in) disciplinas e patologia (s) hospedados na educação (s). Algo ou alguém precisa justificar tamanho caos, mesmo que em nome de algum nome.
Vejo sinais ou pistas para uma profunda reflexão acerca dos alunos(s) filhos(s) anônimos, que frequentam aulas invisíveis de sentido, sustentadas em pseudo-objetivos pedagógicos, pautados em uma concepção de desenvolvimento do ser humano, muitas vezes de cunho comparativo e excludente, atendendo a um sistema educacional mercadológico. Ser alguém amanhã, esta é a ordem!
Somos convocados, cada vez mais, a analisar perfis de pessoas baseando-nos em critérios de desenvolvimento e não de estrutura. Vale ressaltar que existe uma confusão por parte dos educadores e até mesmo dos psicólogos: o que é desenvolvimento? O que é estrutura? De forma bem sintética, direi que: só será possível haver desenvolvimento se antes houver uma estruturação do sujeito. A estrutura antecede ao desenvolvimento; o filho antecede o aluno; há uma história, uma posição social, uma família.
“O sujeito em Psicanálise não é um homem, a pessoa, o ser ôntico, nem tampouco o individuo em geral, mas um ser dependente da linguagem” (PEREIRA, 2005). Portanto, um ser de relação. Na educação estamos dando muito valor ao desenvolvimento que está na ordem do TER e desconhecendo a estrutura que estaria na ordem do SER. O momento atual nos pede mais escuta, para que o sujeito fale e se “estruture”. Conhecer “o lugar doloroso de alguém, eis onde se situa o sujeito que pode dizer ‘eu’”. Como compreender o sofrimento do outro diante de tantos conteúdos e prescrições pedagógicas?
Nós educadores, não estaríamos nos contentado com um ser humano que apenas se desenvolve?
Não estaríamos, com esse caso do Realengo, diante da possibilidade de rever quem é este aluno que habita nossas escolas? De onde ele veio e para onde ele vai? De que forma este sujeito se constitui? Atrás de um aluno, há (ou não) um sujeito?
Considero ser hoje o dia de relembrarmos que atrás, do lado, na frente, dentro e fora daquela criança-aluno existe uma história “colada”. Marcas constituídas num tempo-espaço, traços de parentesco, “resíduos” escondidos e guardados, sabem-se lá aonde. Crenças, valores, ganhos/perdas, ilusão/desilusão, presença/ausência, fantasia/realidade, prazer/desprazer, eu/tu, eu/outro. Enfim há algo que não explicamos, mas que se constitui na trajetória do dia a dia.
Um percurso, marcas, nem sempre visíveis, fazendo fronteira com o invisível. Há um tempo de espera, que não passa com o desenvolvimento. Não há mais tempo de conceber educação (s) diante de “gritos silenciosos”, em que crianças e jovens tentam nos mostrar que eles não se DESENVOLVEM e sim se ESTRUTURAM (ou não). O nascimento do sujeito poderá desautorizar o ATO. A palavra falada anda, corre, movimenta, implica, convoca, toca e volta.
É nesse encontro de urgência que a Palavra pode entrar e revelar Wellington (s) , Antonios, Marias, Josés, Severinos...
Sugestão de livros para professores e gestores que queiram aprofundar a articulação entre Educação e Psicanálise:
MRECH, Leny Magalhães (organizadora). O Impacto da Psicanálise na Educação, São Paulo, Editora Avercamp, 2005.
HADDAD, Jane Patrícia. Educação e Psicanálise: vazio Existencial. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2009.
Fonte: http://www.direcionalescolas.com.br/jane-patricia-haddad/violencia-no-ambiente-escolar-do-ato-a-palavra-da-estrutura-ao-desenvolvimento
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