Um diagnóstico publicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ontem confirma o que profissionais de saúde já suspeitavam: há no Brasil uma epidemia do uso da chamada “droga da obediência”. E Belo Horizonte é a segunda capital onde os medicamentos para tratar transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) são mais consumidos. Os dados da Anvisa indicam que, em BH, foram vendidos em 2011 170,38 caixas de Ritalina e Concerta para cada grupo de mil crianças e adolescentes entre 6 e 16 anos, perdendo apenas para Porto Alegre. Entre 2009 e 2011, o aumento na venda dos remédios foi de 186,38% em BH. Minas Gerais ocupa o quarto lugar no ranking dos estados onde há maior prescrição das drogas. No Brasil, a alta foi de 75%.
À base de cloridrato de metilfenidato, o remédio estimula o sistema nervoso central, deixando os pacientes mais concentrados. No boletim do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), órgão da Anvisa que compilou os dados, e nas bulas dos remédios estão descritos vários efeitos colaterais, como dores gastrointestinais, de cabeça, redução do apetite, tendência à agressividade, taquicardia, sonolência excessiva ou perda do sono, depressão e até interrupção do crescimento. Pode causar dependência química também.
Prestes a lançar um livro sobre o assunto, a psicopedagoga Jane Patrícia Haddad considera os números alarmantes. Para ela, o problema está nas crianças que estão sendo medicadas e não necessariamente precisam do remédio. “O uso está abusivo. De modo geral, todas as crianças têm um déficit de atenção hoje, porque os estímulos são muitos, todos costumam fazer duas ou três coisas ao mesmo tempo, perdemos o foco, ou seja, há uma série de questões que são comuns”, afirmou a autora de Cabeça nas nuvens – Orientação para pais e professores sobre TDAH. Ela explica que a droga é indicada para a criança que recebe um diagnóstico de TDAH a partir de exames e avaliação de um equipe multidisciplinar para discutir o caso, envolvendo médicos, psicólogos, psicopedagogos, a escola e a família.
Em julho do ano passado, o Estado de Minas publicou uma série de reportagens alertando para o aumento do uso da medicação. Ainda não gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS), é considerada uma droga da classe média usada principalmente no período de aula. O estudo da Anvisa mostra, por exemplo, que a partir de março a venda dos medicamentos cresce, com queda em julho, mês de férias escolares. Volta a aumentar de forma significativa em agosto e se mantém até dezembro. A psicopedagoga lembra que este é o período em que as crianças e adolescentes intensificam os estudos para avançarem na série.
É o que acontece com o filho de Vânia, de 44 anos. F. tem 10 anos e foi diagnosticado com TDAH. Desde dezembro, quando ele entrou de férias, a medicação foi suspensa pelo médico. Agora, com o retorno das aulas, o remédio volta a fazer parte da vida dele. Ele resiste, contou a mãe, que já questiona o efeito e acha que há uma prescrição excessiva. “Os números são assustadores. Mas percebo que as crianças também não querem nada, na hora de pegar um livro, ler, eles têm preguiça. Por outro lado, a escola dá dever demais, além do necessário. Por isso a quantidade do remédio”, diz. Desde que foi medicado, há um ano, F. reclama de dores de cabeça e, segundo a mãe, ficava muito nervoso quando o efeito passava.
Sintomas
O TDAH é um dos transtornos neurológicos do comportamento mais comuns na infância. A estimativa é de que afete entre 8% e 12% das crianças no mundo. A doença tem sintomas que podem confundir os pais, como dificuldade para prestar atenção, fácil distração nas tarefas ou durante as brincadeiras, inquietação, dificuldade para esperar a própria vez e interrupção da conversa dos outros. Alguns são peculiares, como passar muito tempo sonhando acordadas, se esquecer das coisas, falar excessivamente, serem incapazes de brincar caladas e parecerem não ouvir quando se fala diretamente com elas. O alerta da psicopedagoga Jane Patrícia é de que os pais, identificando os indícios, peçam indicação de especialistas para amigos, busquem informações, encaminhem o filho a uma equipe multidisciplinar e participem do tratamento.
Os medicamentos prescritos para TDAH são de tarja preta, portanto, devem ser vendidos sob controle especial. Segundo a Anvisa, as receitas têm três vias, sendo que duas são retidas pela farmácia. Os dados são registrados no sistema do órgão para que se possa fazer o diagnóstico do comportamento do mercado brasileiro de remédios controlados. Por meio da assessoria de imprensa, a coordenadora do SNGPC, Márcia Gonçalves, informou que “o estudo contribui para identificar possíveis sinais de distorções de uso dos produtos e no trabalho em estratégias e enfrentamento do problema”.
Por Patrícia Giudice
Publicação: 19/02/2013 - Jornal Estado de Minas
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