Estamos
mergulhados numa cultura de resultados,
distraídos e perdidos na variedade de luzes, cores,
sensações passageiras, vivências superficiais... A
existência inteira faz-se maquinal e rotineira.
Vivemos uma
quantidade de experiências rápidas,
amontoadas, sem possibilidade de avaliação... e vamos
perdendo, pouco a pouco, o sentido da história pessoal e
comunitária. O cotidiano torna-se convencional
e, não raro, carregado de desencanto, pesado,
estressante... Corremos o risco de sermos apenas imitadores
ou repetidores, pois tememos nos perder na busca do
novo.
Vivemos a
“compulsão da utilidade”, preocupando-nos
unicamente com o “fazer”.
Como colaboradores
cristãos, fazemos as coisas que fazemos, poucas ou
muitas, talvez demasiadas; umas, gostamos mais, outras,
menos; umas são escolhidas, outras impostas; umas as
elegemos, outras não temos outro remédio a não ser fazê-las.
Com isso, nossa missão se transforma em puro ativismo,
ou seja, fazer por fazer, fazer para afirmar-se, fazer para
brilhar, fazer para produzir, fazer para impor...
Vivemos, numa
comunidade cristã, o drama da desintegração: atividades
soltas, desprovidas de inspiração e criatividade, num ritmo
burocrático e sem o exercício da avaliação das mesmas. Falta
uma referência e um horizonte que unifique tudo, que
possibilite reorientar e canalizar nossas potencialidades,
impulsos, inspirações, que desperte nossa paixão e dê novo
sentido à nossa missão.
É aqui que se
situa a simples e genial intuição inaciana: o horizonte é
“ajudar”.
“Ajudar”
é o coração que moveu a vida pessoal e apostólica de S.
Inácio e a proposta que dele recebemos para viver com
alegria e sentido nossa própria vida e missão. Com este
verbo, Inácio de Loyola expressou modestamente seu grande
desejo de fazer o bem aos outros.
No
“ajudar” unem-se o amor a Deus e o amor à pessoa
humana, a experiência interior e a ação cotidiana, a ação e
a contemplação; nele se expressa e verifica a profundidade e
o enraizamento da pessoa comprometida com a dura realidade
das exigências cotidianas da vida; nele convergem a busca de
Deus e o compromisso com o mundo.
“Ajudar” nos remete a uma
espiritualidade ativa, mas que não consiste meramente em
“fazer”, nem se acomoda com qualquer forma de
fazer.
“Ajudar” mobiliza e integra
todas as dimensões de nossa vida na missão (física, afetiva,
espiritual...)
“Ajudar” é
oposto do ativismo, que é um fazer “insensato”, sem sentido
e sem direção. “Ajudar” é fazer com
inspiração, com horizonte de sentido; é perguntar-se
continuamente:
“por que
faço isso? para quem faço? por que faço dessa maneira?...
“Ajudar” não é substituir os
outros naquilo que eles podem e tem de fazer, ou dizendo o
que tem de ser feito, muito menos impondo-se de nenhuma
forma, mas colocá-los em condição de que eles mesmos se
experimentem ajudados, descubram por isso o Deus que ajuda a
todos e sintam o impulso para ajudar a todos como ideal de
suas vidas.
“Ajudar” nos permite
“trabalhar descansadamente”, encontrando prazer e humor
naquilo que fazemos, porque iluminado por um horizonte que
nos atrai.
“Ajudar”, como atitude
pessoal, é o equivalente ao termo evangélico “servir”.
Um “ajudar” (servir) que brota da
experiência de ser “ajudado” (servido) por um
Deus servidor.
Como passar, pois, do mero
“fazer” ao “ajudar”?
Para “ajudar”
de verdade, é necessário em primeiro lugar, que nosso
fazer esteja atravessado de visão, de escuta, de
atenção, de compaixão e contemplação à pessoa do outro e às
suas necessidades; que não seja, simplesmente, a aplicação
de um plano ou esquema pré-estabelecido, pensado a partir de
nós mesmos.
Dificilmente nossa ação será
“ajuda” se não captamos e não nos fazemos
sensíveis às necessidades dos outros; ao impor-lhes nossos
planejamentos, mediremos os resultados em função deles terem
ou não se ajustado a nosso plano e medida, e não em função
do progresso ou crescimento como pessoas.
Nesse caso, seremos nós
mesmos os protagonistas de nossa ação; pelo contrário,
“ajudar” significa descentrar-se e implica dar
ao outro o protagonismo na intenção e na ação, fazer o outro
protagonista, devolver ao outro a autoria, a autonomia...
Essa atitude interna e permanente de cuidado,
escuta, olhar o outro e suas circunstâncias, vai nos
situar numa segunda dinâmica: trata-se da atitude contínua
do exame, da busca, da pergunta, do discernimento:
“o que é o melhor para o outro? O quê
lhe ajuda mais?
No “fazer”
perguntamos pela quantidade; no “ajudar”
perguntamos pelo melhor; no “fazer” repetimos,
no “ajudar” criamos; no “fazer”
o centro sou eu, no “ajudar” o centro está
no outro...
Se vamos ao outro com um
plano ou programa pré-estabelecido, uma vez aplicado,
fecha-se o processo; fazemos “o de sempre”, cumprimos nosso
horário e nossa obrigação, e pronto.
Olhado a partir de nós mesmos
o puro fazer justifica, a mera repetição serve, os atos
viram rotina... Com isso, a tendência é ficar como estamos,
a resguardar-nos e defender-nos frente às exigências da
missão.
A prioridade da atenção aos
outros nos obriga a pensar, a inovar, a propor de uma outra
forma, a mudar... porque na vida nada permanece quieto, e
hoje menos ainda. Só assim, quando nosso fazer
é dinâmico, ele se transforma em “ajudar”.
O carinho e a sensibilidade para com os outros, o desejo
profundo e sincero de “ajudar” é o que vai nos
mobilizar.
A questão não é o que fazemos, mas o que
comunicamos com o nosso
“fazer”.
Além disso,
“ajudar” tem maior visibilidade quando a missão é
vivida em grupo (corpo apostólico), quando a
colaboração com outros e a partilha em comum tornam-se um
“modo de proceder”, esvaziando-nos de toda
pretensão de sermos individualistas salvadores para sermos
simples servidores.
Como a vida é
um todo, a determinação interior de “ajudar”
gera atitudes vitais, modos de proceder na
comunidade, inspirados por uma “mística”.
A primeira e mais importante
das atitudes é a de respeito profundo às
outras pessoas em toda sua dignidade; é buscar e perceber a
presença de valores de cada ser humano concreto, para além
de seus limites, fragilidades e problemas pessoais; atitude
que é possibilitada por um olhar atento e contemplativo e
por uma relação pessoal que, ao não ser prepotente nem
soberba, permite que a outra pessoa se revele, se manifeste,
com toda sua densidade de pessoa humana. Se a lógica
profunda do nosso fazer é “ajudar,
devemos fazer mais por aqueles que mais ajuda necessitam,
por aqueles mais desvalidos, que são mais fracos, que estão
mais desprotegidos...
“Ajudar”
não vai na linha do impor, senão do propor. Trata-se, isso
sim, de propor com qualidade, com firmeza, com proximidade,
com compromisso pessoal, tendo cuidado especial na arte do
acompanhamento. Isso requer presença gratuita,
desinteressada, centrada no bem da outra pessoa, sem criar
dependências afetivas, mas fazendo o outro crescer em
liberdade.
“Ajudar”
pede um coração magnânimo, ou seja, grandeza
de horizontes, de desejo e de sonhos; mas, ao mesmo tempo
“ajudar” é uma expressão que convida à
humildade: porque “ajudar” é descer ao
nível do outro; para isso somos convidados à renúncia dos
nossos próprios critérios, pontos de vista, modos fechados
de viver...
“Não ser
intimidado pelo máximo, mas caber no mínimo, isso é divino”.
Textos
bíblicos:
Lc.
10,38-42 Col. 3,12-17
Na
oração:
“ajudar” faz
“espiritual” toda a vida; em linguagem bíblica, o
Espírito nos faz capazes de ajudar.
“ajudar os
outros”,
inspirados
e animados pelo Espírito de Jesus, é o que torna
“espiritual” nossos atos, nossos pensamentos, nossos
trabalhos, nosso compromisso apostólico, nossa vida
inteira...
* sua missão numa comunidade
cristã: simples “fazeção” burocrática ou
espaço de “ajuda” criativa?
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