Por Jane Patricia Haddad
“Se quiseres poder suportar a vida, fica pronto para aceitar a morte.”
Sigmund Freud
A morte ainda é considerada um grande tabu pela sociedade. Pouco se fala (e se evita falar) sobre o assunto, além de evitar as pessoas enlutadas, já que na maioria das vezes as pessoas não sabem como lidar com o enlutado. Não é fácil receber a notícia de que “perdemos” alguém que amávamos.
A morte é a única certeza que temos na vida e a única coisa que negamos o tempo todo. Em primeiro lugar quero parabenizar a Revista Direcional Educador por ter a coragem e ousadia de abrir esse espaço para o debate e ajudar os educadores a passar por essa situação de maneira menos doída. É dessa forma que acredito que o tabu vá se transformando em possibilidade de nomeação, ou seja, a palavra necessita entrar em movimento. Falar sobre as perdas é algo que as transforma. Falar sobre perdas se faz necessário e urgente.
As perdas e o luto pertencem à condição humana – sem contar que hoje, em nosso mundo contemporâneo, líquido como diz Bauman, a violência é muito mais presente.
Conhecemos diversos casos de pessoas que saem de suas casas e jamais retornam, seja por um assalto, acidente ou mesmo um infarto.
Precisamos falar dessas emoções e das perdas diárias. Como acolher quem passa por uma perda súbita? As três instituições que nos servem de referência nesses momentos são: Deus; Família e Escola. Então, caros educadores, não poderemos mais protelar tal conversa. A morte é parte VIVA da vida.
Pensar e sentir sobre a morte não é algo fácil e nem prazeroso, porem necessário. Trabalhei por anos diretamente em sala de aula e também em Coordenação, onde pude vivenciar perdas de crianças, pais e professores, jamais esperadas pela lei natural. Desde aquela época me sentia tocada pelo tema, sem muito fazer, além da minha escuta ativa frente aquela(s) dor(es).
Ao longo de minha vida tive diversas perdas próximas. Permito-me um exemplo autobiográfico que aclara melhor a necessidade de cuidar e falar do luto.
Em 2014, no mês de abril, perdi meu enteado, filho do meu coração, filho que a vida me presenteou, um menino-homem com o qual tinha especial afinidade.
Confesso que eu e meu marido perdemos o chão. A única pergunta que nos fazíamos era: Como era possível pais terem de enterrar seus próprios filhos? Aquele episódio marcou e marca nossas vidas até hoje. Lucas tinha 25 anos, estava no auge de sua vida, formado em Biomedicina, já havia aberto seu próprio consultório e tinha vários projetos que foram interrompidos nessa vida. Como lidar com os sonhos interrompidos? Essa era uma pergunta que nos ressoava dias e noites.
Todos da família perderam o chão, os amigos chegavam de toda parte, as redes sociais apitavam 24 horas com mensagens do tipo: alguém me diz que é mentira, não é possível? E assim seguíamos, tentando entender o que não tinha entendimento. Choramos dias e dias sem entender o que estava acontecendo. Passamos dias, semanas e meses vendo fotos, lendo bilhetes, revendo vídeos e recordando momentos que jamais retornariam. Aos poucos, as visitas vão sendo abandonadas, as mensagens param de chegar e a vida segue para todos. Esse é o momento de encarar ou parar sua vida. E juntos, optamos em continuar, começamos a retornar aos nossos projetos de base além de outros que foram surgindo. A coisa que mais nos perguntávamos é se voltaríamos a sorrir. E aos poucos fomos entendendo que sim, que a vida continua.
Vivenciamos cada passo desse luto e da perda, fato este que hoje consigo falar e escrever sobre essa dor. Hoje em meu consultório atendo diversos casos de luto; desde a perda de um emprego até a perda de filhos. Um exercício de autossuperação a que me propus.
Dentre os casos que atendo atualmente, recebi uma linda menina de oito anos que perdeu seu pai em um acidente de carro. Essa linda menina vem ensinando aos pais e professores a importância de serem escutados em sua dor.
“O Conforto nos braços das amigas” “No ano de 2013 meu pai Alexandre Pimenta faleceu em um grave acidente de moto. Fiquei muito chateada quando recebi a notícia. Não vi a reportagem pela televisão, porque eu estava muito triste para vê-la. Fiquei na casa da minha tia por três dias para me distrair, mas não consegui. Matei três dias de aula, mas os meus colegas já estavam sabendo do acontecido. Alguns viram pela televisão e outros souberam pela escola.
Na quarta feira da mesma semana voltei à escola ainda triste e bastante abatida. Recebi muitos abraços, cartas e desenhos. Cinco amigas escreveram cartas para mim: Luiza, Duda, Mari, Ana Laura e Lara. E o mais legal de tudo isso foi que em todas as cartas estava escrito: ‘Eu sempre estarei do seu lado!!!’ E todos tinham desenhos muitos lindos e carinhosos sempre com um coração no meio.
Quando li as cartas e recebi os abraços aquilo me deixou mais confortável e alegre. Nunca mais vou esquecer deste dia tão agradável”. Carolina Pimenta – 5º ano (autorizou publicar a carta, com dois intuitos: Mostre a importância das amigas e tente ajudar crianças que perdem seus pais).
Carolina vem encontrando muito conforto na mãe e na sua família, além do conforto na escola. A escola de Carolina entendeu que, no período de luto, a criança não precisa falar e nem participar das atividades que não queira. O tempo e a paciência são os maiores aliados nesse momento. Oriento muito os professores a falarem: Eu sei o que aconteceu, você quer falar sobre isso? Quer que eu converse com seus colegas? Quando a criança pede que a turma seja comunicada (no caso de Carolina, eles foram comunicados, até porque a notícia tomou os jornais locais), sugiro que façam uma roda com todas as crianças, que conversem sobre a dor e a professora vai conduzindo a conversa de forma tranquila e direcionando para que as crianças falem. Algumas dicas: Alguém aqui já passou pela mesma situação? Alguma perda? A dor nos aproxima e nos solidariza.
Elizabeth Kubler Ross1, considerada como pioneira nos estudos sobre a morte e o morrer, tendo por isso papel crucial no desenvolvimento da tanatologia, apresentou o luto em cinco fases, que não necessariamente ocorrem em sequência. Para a autora, essas etapas seriam: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Elas indicam uma evolução da maturidade de lidar com a morte. Além disso, é importante dizer que o luto é como se fosse uma existência à parte: quando a vida de todos à volta parece continuar, a do enlutado parece estar em outra frequência, como se fosse uma vida paralela, uma vida em câmera lenta. Essas etapas podem ocorrer também diante de outras perdas e frustrações graves, como no divórcio ou em pacientes terminais.
O que a autora apresenta em seus estudos é a ideia de processo, um processo necessário do qual não se pode fugir. O luto é necessário para a construção e reconstrução do lugar do sujeito que perde alguém. Todos nós um dia passaremos por uma ou várias perdas.
As escolas necessitam construir um espaço coletivo que legitime o luto como um recurso de saúde não só para o enlutado, mas também para os que convivem com ele. O processo de luto (bem elaborado) devolve ao enlutado a chance de uma nova história. A morte é um TABU porque ela representa nossas limitações humanas.
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