Entrevista de Jane Haddad para o Jornal O Tempo
O mundo está mudando e seus moradores, atônitos, buscam novas formas de se relacionar. Mas um dos piores reflexos dos novos tempos é a violência dos jovens nas escolas, o chamado bullying.
“Há a violência, os adultos estão intolerantes, andamos nas ruas com medo. Ao observar jovens na rua, nas escolas e até mesmo no consultório, fico tentando decifrar seus códigos, e um deles é a agressividade”, comenta a educadora e psicanalista Jane Patricia Haddad. “É uma forma de pedir ajuda ou mesmo de “retribuir” uma violência silenciosa, aquela que vem da indiferença do professor, dos pais, dos colegas”, afirma.
Para a especialista, crianças e jovens em formação vivenciam diariamente adultos resolvendo seus problemas aos berros, com violência e sem gentileza. ”A agressividade vem aumentando porque as relações humanas estão esquecidas, o conteúdo passou a ser mais importante do que o aluno, a disciplina voltou a ser imposta como forma de coerção”, diz.
Outra mudança que tem alterado as relações sociais são as novas configurações familiares. “Pai sozinho, mães inseridas no mercado de trabalho, pais separados que se afastam dos filhos. É preciso que escola e família façam as pazes, passem a se apoiar e deixem de buscar culpados pelos sintomas como indisciplina, bullying e os ditos transtornos de aprendizagem”.
Psicologicamente, seria difícil descrever o perfil desse aluno, sem limites, agressivo. “Não é possível rotular um perfil específico e sim entender esse aluno em sua história, demandas e o que o leva a ser agressivo. O aluno que vive e vê agressividade o tempo todo, provavelmente vai reagir com agressividade, é a forma que ele aprendeu a “se comunicar” ou mesmo a se fazer vivo”, ressalta a educadora
Com tantas variáveis individuais e sociais é difícil prever uma saída para essa crise. “Há um caminho a percorrer, baseado na tolerância à diversidade, na escuta atenta dos nossos alunos, muitas vezes desamparados em suas famílias. No acolhimento desse professor, sozinho e desvalorizado, que muitas vezes já vai para a escola com medo”, diz Jane.
Uma alternativa, segundo ela, seria reinventar a forma de gestão escolar. “É preciso trazer a comunidade para dentro da escola, levar a escola para fora de seus muros, envolver os diversos setores como segurança pública, saúde, meio ambiente em prol de uma educação compartilhada”. A educadora acredita que o momento é de todos se responsabilizarem pela formação dessa geração. “Qual é a parte que nos cabe? Essa pergunta, sim, poderá ser o inicio de uma mudança”, diz.
INVERSÃO
Mãe e filho agridem professor na escola
João (nome fictício) é professor de matemática há sete anos em uma escola da rede pública estadual. Ele está vivendo um verdadeiro calvário provocado por um aluno e sua mãe. “Esse jovem sempre teve um comportamento inadequado. É um jovem problemático que agride verbalmente os professores, mas a mãe dele consegue ser ainda pior. Ele foi reprovado em quatro disciplinas e teve duas oportunidades de fazer novas provas. Não havia como aprová-lo, o nível dele é muito baixo”, diz.
Quando a mãe do garoto ficou sabendo da reprovação, entrou na escola completamente desequilibrada. “Não foi a primeira vez. Transtornada, ela dizia que eu tinha que aprovar o seu filho. Começou a gritar palavras chulas. Depois botou o dedo na minha cara e, junto com o filho, partiu para cima de mim. Chamei a polícia para registrar a ocorrência e fui levado junto para a delegacia”, relembra João.
Lá, a mãe virou o jogo e disse que ela e o filho foram agredidos pelo professor. “Por pouco eu não fui linchado”, relembra indignado o professor.
Resultado: João vai responder a processo, mesmo sendo a vítima. A sua sorte é que o circuito interno da escola gravou a cena e o inocenta. (AED)
INVERSÃO
Os valores da família estão mudando
Sidneia Nascimento, 36, professora pública e particular, tem muitos casos de desrespeito em sala de aula para contar e, para ela, existe uma explicação: “A escola apenas reflete a falência da educação familiar. O aluno que agride, ou é extremamente mimado ou é abandonado, filho de pais ausentes”.
A professora ensina que o aluno se mostra agressivo porque está carente. Há aí uma falta qualquer. “Quando os pais dedicam muito tempo ao trabalho e pouco tempo para os filhos, estes se tornam desordenados e agressivos porque não conseguem lidar com as suas tarefas na escola”, diz.
Para a professora, os valores familiares mudaram. “A escola passou a ser um lugar onde os alunos permanecem um tempo porque a família não tem como acolhê-los. E temos muitos deles, desajustados, problemáticos, com problemas psiquiátricos. Os valores estão mudando e a família tem se mostrado incapaz de educar. E, o pior, as famílias vêm o professor como inimigo e escola como depósito de estudantes”. (AED)
MINIENTREVISTA
“A mudança que ocorreu na escola aconteceu também na família”
Hamilton Werneck Pedagogo e escritor
O que anda acontecendo dentro de sala de aula? Quebrados os paradigmas do passado, onde o professor era a autoridade máxima em sala de aula, nada se colocou no lugar quando o mando “despótico” foi abolido. Vivemos uma crise de autoridade porque o autoritarismo foi substituído pela anarquia.
Os professores do passado eram também educadores. Isso mudou? Os educadores tratavam de todas essas questões, eram a autoridade constituída e respeitada e representavam algum parâmetro para a educação das crianças e jovens. A sociedade, também, respeitava o professor. O que mudou? O professor passou a se sentir trabalhador da educação e, não, um educador. A sociedade deixou de respeitá-lo, pensando, dentro desse parâmetro que ele passou de autoridade constituída ao status de empregado, levando os pais a se sentirem como “patrões”. Foi um grande erro essa visão de “trabalhadores” da educação. Todos perderam.
Salários baixos, professores mal qualificados. A culpa é de quem? A culpa é de todo um conjunto que se perdeu. A sociedade que deixou de valorizar o professor, os salários baixos, a falta de formação do professor e, dentro disso tudo, a falta de compromisso dos profissionais com a educação. As escolas têm oportunidade de se reorganizar através de um projeto político pedagógico.
Qual a responsabilidade dos pais? O que aconteceu com a escola, aconteceu com a família. Todos perderam as referências. A família perdeu mais porque está menos tempo ainda com as crianças que foram para a creche. O tempo de convivência familiar diminuiu muito. Consequentemente, os valores não conseguem ser passados de pai para filho. Surgiu nesse meio de caminho a idéia de terceirizar a educação. Isso não dá certo porque o papel da família não consegue ser refeito pela escola.
Qual a responsabilidade da escola? Ensinar e educar. Não existem papéis separados, nem a função da escola é ser, simplesmente, acadêmica. Esse é um dos pontos de atrito: os valores da família chocam-se com os valores da escola; ou então nem um grupo nem o outro pensam em valores.
Por que tanta agressividade? A sociedade parou, em algum momento, de respeitar o professor e isso também é demonstrado através dos baixos salários vindos da maioria das secretarias municipais e estaduais, e das escolas particulares. (AED)
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Jane Patricia Haddad – Educadora
www.janehaddad.com.br
1)Por que essa agressividade crescente dos alunos com os professores?
Em minha opinião, basta olharmos a nossa volta, o mundo está violento, os adultos estão intolerantes, andamos nas ruas com medo, estamos aprendendo novas formas de relacionarem-se uns com os outros. Ao observar jovens na rua, nas escolas e até mesmo no consultório, fico tentando decifrar seus códigos, e um deles é a agressividade. Um acontecimento, não deve ser visto sem considerar o contexto, em que ele ocorre. Será que alunos gostam de ser agressivos? Eu particularmente interpreto atos agressivos, que vem ocorrendo entre alunos e professores como um sintoma a ser escutado e olhado. Crianças e jovens em formação vivenciam diariamente adultos resolvendo seus problemas, no berro, na violência e na ausência de gentileza. Muitas vezes a agressividade dirigida aos professores, é uma forma de pedir ajuda uma maneira de ser olhado ou mesmo uma forma de “retribuir” uma violência silenciosa, aquela que vem da indiferença do professor, dos pais, dos colegas. Acredito que a agressividade vem aumentando, porque as relações humanas estão esquecidas, o conteúdo passou a ser mais importante do que o aluno, a disciplina voltou a ser imposta como forma de coerção. Alunos e Professores deveriam marcar um encontro, criar estratégias de resolução de conflitos e não negar os conflitos que aparecem na escola.
2)Qual a responsabilidade dos pais nessa história?
A família mudou novas configurações familiares vem aparecendo, pai sozinho, mães inseridas no mercado de trabalho, pais que separados, separam-se dos filhos também, enfim é preciso que Escola e Família façam as pazes, passem a se apoiar e não agirem em sentido contrário, ambas buscando culpados pelos sintomas que vem se instalando na educação, entre eles; indisciplina, bullyng e os ditos transtornos de aprendizagem. Os pais acreditem ou não, são os primeiros a ser seguidos como exemplos por seus filhos.
3)Os professores estão deixando de ser educadores?
Trabalho a duas décadas junto a professores, desde escolas públicas a privadas e o que venho constatando em diversas cidades do Brasil, são professores lutando por manter sua dignidade, embora às vezes abram mão de seus lugares de professores, por acreditarem não terem mais valor na sociedade atual. Há uma crise instaurada entre os educadores, que vem os colocando em situação de vulnerabilidade, ora sentem-se pressionados pelos conselhos tutelares, ora pelas famílias, sem contar pelos alunos que muitas vezes os percebem como inimigos. O momento é de muita reflexão, ampliar os debates sobre a função da escola e a serviço de quem ela está?
4)Daria para descrever psicologicamente em poucas palavras o perfil desse tipo de aluno que desrespeita, ameaça e até mata professores?
Não acredito em um único perfil psicológico desse tipo de aluno, mesmo porque não é possível classificar, rotular um perfil específico e sim entender esse aluno em sua história, demandas e o que o leva a ser agressivo. Imaginemos um aluno que vive e vê agressividade o tempo todo, provavelmente, ele reagirá com agressividade, é a forma que ele aprendeu a “se comunicar” ou mesmo a se fazer vivo. Alunos vão aos dando sinais, resta saber se diante de tanta burocracia escolar percebemos tais sinais.
5)Qual a saída?
Não vejo uma saída e sim um caminho a percorrer, um caminho que se faça na tolerância a diversidade, na escuta atenta dos nossos alunos, muitas vezes desamparados em suas famílias. No acolhimento desse professor, sozinho e desvalorizado, que muitas vezes já vão para suas escolas com medo do que vão encontrar.
A saída talvez seja reinventar a forma de gestão escolar, trazer a comunidade para dentro da escola, levar a escola para fora de seus muros, envolver os diversos setores como segurança pública, saúde, meio ambiente todos em prol de uma educação compartilhada, uma formação que passe pela co responsabilidade de todos. Queixas não cabem mais no mundo, o momento é de todos nós nos responsabilizarmos pela formação dessa geração, que nos sinaliza: diante da falta de cuidado, a agressão pode ser uma saída!
Qual é a parte que nos cabe? Esta pergunta sim, poderá ser o inicio de uma mudança.
Jane Patricia Haddad – Educadora
www.janehaddad.com.br
www.otempo.com.br
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