“ No fundo de cada palavra, assisto ao meunascimento”
Alain Bosquet
Venho discutindo o tema “aprendizagem” já que, venho trabalhando com a formação de professores e suas (dificuldades em lidar com o processo Ensino- Aprendizagem) e principalmente com o chamado “ Fracasso Escolar”.
O interesse sobre o tema “ Fracasso Escolar” continua me inquietando e me movendo para uma busca no campo da psicanálise e junto dela buscar novas propostas para uma reflexão sobre o tema.
O que poderia ser, para Freud, o processo de aprendizagem? Em outras palavras, o que, no entender de Freud, autoriza uma criança para o mundo do saber? E, como a busca do conhecimento se torna possível para ela?
Para Freud, a paixão pelo saber origina-se da curiosidade infantil sobre sua origem. DE ONDE VIEMOS? “Qual é a minha origem em relação ao desejo de vocês?” PARA ONDE VAMOS? “Por que me puseram no mundo, para atender a quais expectativas e esperando que eu me torne o quê?”
E a pergunta: de onde viemos e para onde vamos o que tem a ver com o aprender? Acontece que esse lugar sexual é situado, a princípio, em relação aos pais. Assim, as perguntas sobre a origem das coisas estariam na base das investigações sexuais infantis.
“ A criança que pergunta por que chove e, por que existe noite e dia, por que... e todo o resto, responde Freud, está na verdade interessada em dois porquês fundamentais: porque nascemos e porque morremos, ou dito do modo clássico, de onde viemos e para onde vamos.” ( citado por Kupfer em Freud e a educação).
As crianças que vão à escola para aprender a ler e a escrever não parecem denunciar nenhuma dessas preocupações. Parecem?
Freud (in: Três ensaios sobre a sexualidade) nos diz que “A criança se apega aos problemas sexuais com uma intensidade imprevista, e se pode mesmo dizer que esses são os problemas que DESPERTAM sua inteligência.”
Ao final do Complexo de Édipo a investigação sexual é reprimida. Porém, parte de sua energia é sublimada em Pulsão de Saber. Agora a criança está autorizada a conhecer o mundo.
Aprender é aprender com alguém, que será colocado numa determinada posição de suposto saber. Freud (citado por Kupfer, em Freud e a Educação) nos mostrava:
“No decorrer do período de latência, são os professores e geralmente as pessoas que têm a tarefa de educar que tomarão para a criança o lugar dos pais, do pai em particular, e que herdarão os sentimentos que a criança dirigia a esse último na ocasião do Complexo de Édipo.
Os educadores, investidos da relação afetiva primitivamente dirigida ao pai, se beneficiarão da influência que esse último exercia sobre a criança.”.
A ênfase freudiana não está concentrada nos conteúdos a serem transmitidos do professor para o aluno, mas no campo que se estabelece entre professor / aluno, uma relação que primeiramente foi dirigida ao pai. Transferência é nome dado pela Psicanálise a este campo. A transferência não se dirige à pessoa, mas ao “ lugar” que ela ocupa ou ao que ela representa no discurso. Só assim o professor pode tornar-se a figura a quem serão endereçados os interesses dos alunos. A transferência se produz quando o desejo de saber do aluno se liga à pessoa do professor. O professor precisa despertar o desejo do saber no seu aluno e esse desejo do saber tem sua base na infância.
A meu ver, há todo um contexto de Psicanálise e Educação a ser estudado e entendido , começando pelo fato de que todo adulto , diante de uma criança depara-se, com sua própria infância recalcada. Onde acredito que, uma educação torna-se possível, precisamente, à medida que o adulto se distancia entre a criança que foi um dia para outros e essa criança real junto à qual deve sustentar uma palavra educadora.
O que se busca quando se quer aprender algo? Só a partir desta pergunta pode-se refletir sobre o que é o processo de ensino - aprendizagem, pois a esse processo depende a razão que motiva a busca de conhecimento. A busca do saber de si mesmo.
O desejo de saber associa-se com o dominar, o ver e o sublimar. Até aqui, pode-se perceber que a ênfase dada por Freud ao estudo da relação entre um professor e um aluno não estava no valor dos conteúdos cognitivos que transitam entre essas duas pessoas. Vale dizer, na informação que é transmitida de um para o outro. A ênfase freudiana está concentrada nas relações afetivas entre professores e alunos.
Há, para Freud, um momento capital e decisivo na vida de todo ser humano: o momento da descoberta daquilo que ele chama de diferença sexual anatômica. Se, até então, os meninos e meninas acreditavam que todos os seres humanos eram ou deviam ser providos de pênis, a partir desse momento “descobrem” que o mundo se divide em homens e mulheres, em seres com pênis e seres sem pênis.
Essa descoberta não é propriamente uma descoberta, já que meninos e meninas terão tido oportunidade, antes dela, de observar que são diferentes. A diferença está na interpretação dada a esse fato. Meninos poderiam pensar, por exemplo, que as meninas não são iguais a eles, mas podem vir a sê-lo, quando crescerem. Mas a descoberta implica entender que, de fato, alguma coisa lhe falta.
A criança descobre diferenças que a angustiam. É essa angústia que a faz querer saber.
A essa angústia das perdas Freud chamou de angústia de castração.
No entanto, o que angustia não é a constatação de que algo falta às mulheres, e pode vir a faltar aos homens. A angústia provém de uma nova compreensão de antigas perdas à luz desse novo sentimento de perda.
“Aqui perdi, e sei agora que também perdi o seio, e as fezes...”poderia ser o “pensamento” inconsciente de uma criança que está fazendo a descoberta de diferença sexual anatômica.
Para Freud as primeiras investigações são sempre sexuais e não podem deixar de ser: o que está em jogo é a necessidade que tem a criança de definir, antes de mais nada, seu lugar no mundo. E esse lugar é, a princípio, um lugar sexual.
Ensinar com base em Freud é permitir que o sujeito apareça, que ele possa estar e ser autorizado a saber, a apropriar-se. “ Só o desejo do professor justifica que ele esteja ali, mas estando ali, ele precisa renunciar a esse desejo”.
“ Somente alguém que possa sondar as mentes das crianças será capaz de educá-las, e nós, pessoas adultas, não podemos entender as crianças porque não mais entendemos a nossa própria infância. Nossa amnésia infantil prova que nos tornamos estranhos à nossa infância” ( Freud, 1900).
Bibliografia:
Ferreira, P. V. P. Jornal Escolar: uma construção de aprendizagem com ajuda do computador http://www.pulsarvida.hpg.ig.com.br/indexpensamos.html em 22/08/2002
Fernandez, A.(1990). A inteligência aprisionada – Porto Alegre: Artes Médicas
Freud, S. (1900). Três ensaios sobre a sexualidade. In: Obras Completas, Imago
Kupfer, M. C. (1992). Freud e a Educação: o mestre do impossível - São Paulo: Scipione
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